terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A crônica completa 160 anos



“Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa: ' Eu sou lá de Cachoeiro...'”, Rubem Braga.

por Roney Moraes*

Cachoeiro de Itapemirim-ES é, inegavelmente, uma terra de cronistas, tendo em Rubem Braga seu maior expoente. Em janeiro, alguns escritores ensaiam a homenagem ao centenário de seu nascimento, enquanto isso, hoje (18/12), tecnicamente, o gênero completa 160 anos.
“A crônica está fazendo 160 anos este mês. Apesar da respeitável tese do historiador Jorge de Sá distinguindo Pero Vez de Caminha como seu introdutor nestas paragens, a primeira crônica genuína, não epistolar e sem ressaibo folhetinesco, teria surgido na imprensa brasileira em dezembro de 1852, no jornal carioca Correio Mercantil, assinada por Francisco Otaviano de Almeida Rosa. Dois anos depois, Almeida Rosa legaria seu espaço a dois discípulos, José de Alencar e Manuel Antônio de Almeida, que nele formataram o gênero, ampliando o horizonte profissional e a clientela de jornalistas, poetas e escritores”, diz o jornalista Sérgio Augusto.
Para o jornalista, a forte e inevitável influência de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão sobre os primeiros cronistas daqui levou Machado de Assis a duvidar que um dia a crônica pudesse se abrasileirar. Mas ela, graças sobretudo ao próprio Machado, abrasileirou-se.
A crônica é o gênero literário mais importante do Brasil. Esse gênero traz a marca de brasilidade. A capacidade de improviso, o temperamento anárquico, a carnavalização, a plasticidade intelectual do homem brasileiro, porque ele não está habituado a pensar sistematicamente, como, por exemplo, na Europa. A crônica tem uma característica diferente, ela é imediatista como nós desde o período colonial. Somos ligados às coisas imediatas. Nos falta planejamento a longo prazo, pois atuamos diante das coisas presentes.
Só este ano vários escritores lançaram seletas de crônicas em eventos literários ou em eventos particulares. Dentre eles, Claudia Sabanini, Marcelo Grillo e Marilene Depes. Todos de Cachoeiro. Inclusive este que vos escreve.
O cronista, poeta e professor Adriano Spínola disse, quando esteve em uma das edições da Bienal Rubem Braga, que a crônica contemporânea tem uma identidade plural e é sincrônica. Bom, plural porque ela hoje tem várias formas, apesar de perseguir aqueles modelos estabelecidos por Machado de Assis, Rubem Braga, Carlos Drumond Andrade, Paulo Mendes Campos e outros, e continua muito presente na vida nacional. Todo jornal, toda revista têm os seus cronistas que comentam os fatos políticos ou, então, recriam aspectos do cotidiano. Agora ela é sincrônica no sentido de que traduz uma simultaneidade, ou uma síntese não só atemporal, como espacial.
A crônica de hoje não está mais ligada apenas aos fatos do cotidiano. Como a gente verifica por aí, Luiz Fernando Veríssimo, de repente, fala do século IXX e não está mais ligado a um só espaço ou a uma cidade, mas a vários lugares. A crônica de Eloísa Seixas é muito sintomática nesse sentido, porque através da internet ela diz que se sente agora no mundo.
O avanço tecnológico e a velocidade das informações são, de certa forma, responsáveis pela evolução da crônica contemporânea. As redes sociais, por exemplo, estão dando essa percepção simultânea do mundo, das coisas. E isso está fazendo com que o cronista não se sinta mais habitando apenas uma cidade, mas da cidade transformou-se no mundo. Então ele fala de algo acontecido na esquina e de repente pode falar de algo acontecido na China.
A crônica literária, evidentemente, tem uma recriação da linguagem, mais conotativa, possibilita várias interpretações, enquanto que a crônica jornalística se associa mais a um comentário. Vamos dizer que ela é unidimensional, ou monosemântica que possibilita uma só interpretação.
Nenhum povo consegue ter escritores com esse grau de liberdade, beirando até a irresponsabilidade. Muitas vezes o cronista deixa para escrever sua crônica na última hora, como já fiz também, e isso não aconteceria, jamais, em países da Europa ou Estados Unidos. Então nenhum outro povo do mundo é capaz de dar um drible desconcertante no futebol e também na crônica.
*Jornalista, editor do portal folhadoes.com, cronista, psicanalista e professor doutor em Psicologia (Dhc) e Aconselhamento.