sexta-feira, 28 de abril de 2017

Um pouco de tudo antes do nada




"Quando não somos capazes de entender alguma coisa, procuramos desvalorizá-las com críticas. Um meio ideal de facilitar nossa tarefa", Freud (1909).

Gostaria de escrever sobre outros assuntos como literatura, cinema, psicanálise... Contudo, diante da situação de emergência que se encontra o país, nada mais justo do que parar um dia de trabalho para refletir sobre o que permitimos , por procuração, fazer com a arte, educação e tantas violações em nossos direitos conquistados com sangue, suor e lágrimas.   

Mas, prometo não radicalizar, afinal, ao contrário do que anuncia o primeiro parágrafo, tentarei descrever de tudo um pouco, antes do nada. Antes do apoio incondicional à greve geral desta sexta-feira (28).

A cegueira da visão. É a frase que define este momento. Não foi uma cruzada de esquerda nem pela direita. O soco foi um direto certeiro no estômago do trabalhador, que, nem sentiu. Calma que o trauma vem depois. 

Os sintomas com velhos conflitos – disfarçados de novos – apontam para um caminho obscuro e preocupante. Na véspera da Semana do Psicanalista o que comemorar? Temos muita coisa por fazer... Claro, após a greve. Antes, vamos celebrar, não a estupidez humana, como diria Renato Russo, mas a cultura. Em tempos de crise, sair um pouco da realidade implacável e mergulhar numa narrativa bem elaborada é, nesses tempos irritantes, um alívio. Então vamos, aqui e agora, reverenciar a literatura e a sétima arte. Sem esquecer, jamais, os golpes (um atrás do outro) que tomamos dos poderosos.

Na próxima quinta (04/05) e sexta (05/05), a Associação Psicanalítica do Estado do Espírito Santo (Apees) discutirá o conto "O Búfalo", de Clarice Lispector, e o filme "Fragmentado", que estava, recentemente, em cartaz nos cinemas. Por falar em múltiplas personalidades... Só me vem à cabeça os 117 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) alterados com o propósito de extinguir direitos dos trabalhadores. É para deixar qualquer um fragmentado mesmo. Na concepção de "quebrado".

Sobre "O Búfalo", o que posso adiantar (para não estragar o encontro) é que o amor entre os desiguais causa desconforto ao outro. O mesmo vale para os analistas de "pós-verdades" (termo que pretendo desenvolver em outra oportunidade). Pensar diferente é ofensa. Com pena capital de decapitação perfilar facebookana.  

Enfim. Com a (in)certeza líquida de que dias piores virão... Apesar de tudo, amanhã há de ser outro dia. Unidos somos mais fortes. Diante de protestos, projetos, trabalho ou greve geral. E também para decidir que história vamos contar, escrever ou gravar para a posteridade. Essa? Eu prefiro deletar, mas, o HD da realidade não permite.


www.roneyamoraes.blogspot.com.br

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Uma série e os 13 porquês



” (…) é precisamente a partir do momento em que o sujeito morre que ele se torna, para os outros, um signo eterno, e os suicidas mais que os outros.” (Lacan, 1957-58, p.254).

Uma série várias questões. Indiferença, abandono, abusos psicológicos e sexuais , enfim, o bullying no ambiente escolar e fora dele. O suicídio e suas consequências. Mas, tirar a própria vida e gravar uma série de fitas (parte retrô da narrativa) revelando os segredos de seus “algozes” e os 13 motivos que a levaram ao suicídio não seria uma forma de perpetuar a existência? Talvez sim, uma vez que numa gravação, ainda viva, se dizia morta no real e, no início da trama, virtualmente pelo viral cyberbulling.

Há uma coisa interessante. É a saída da cena que caracteriza a passagem ao ato, em Psicanálise. Hannah Baker não saiu. Permanece na trama revelando uma (in)existência vingativa. Há uma necessidade da personagem em ser escutada, em ser visível. Ela fala. Como? Gravando num aparelho que só ela controlava o play, a fita e o microfone. Por um momento, o dito, a fez pensar sobre a decisão de acabar com seu mundo. Contudo, apenas ela entedia suas questões. O “conselheiro” atrapalhou mais do que ajudou. Baker queria ser escutada. A maneira que encontrou para isso foi se tornar invisível pondo um fim à própria existência. Pela primeira vez estava no controle do seu destino. Sem likes, compartilhamentos e constrangimentos em rede.

Lembro do primeiro episódio de Terra Dois, com o psicanalista Jorge Forbes e a atriz Maria Fernanda Cândido, em que o tema era a morte. “Hoje podemos mais do que desejamos. Esse aspecto fica muito evidente na definição da hora da morte. O que era ‘morte natural’ passou a ser morte escolhida, uma vez que a tecnologia prolonga em muito a vida mecânica”, Forbes (2017). No caso da série em questão há um recurso tecnológico, o gravador cassete, para dar o tom de passado às aparições da personagem Hannah Baker.

A experiência e o novo olhar cultural, ao contrário de tempos anteriores, deve estabelecer novas formas de viver e se relacionar com o outro. Reinventar novas maneiras de abordar questões complexas como o suicídio não deve ser uma ameaça. Ao menos falamos sobre o assunto.  A repercussão da série e as críticas tem lá suas razões. Palmas para a Netflix que mais uma vez sai na frente e mostra o que não queremos ver, mas convivemos com tudo isso diariamente em nosso mundo fechado para balanços morais e preconceituosos.

‘13 Reasons Why’ (nome da série) é um grande espelho. Cada um se identifica com as reações e omissões dos personagens. Quem nunca foi apaixonado e teve receio e se declarar como Clay Jensen? São dramas humanos, adolescentes com seus dilemas, transformações e intimidações paralelos aos de Baker.

A título de informação, a série é baseada no romance ‘Thirteen Reasons Why’ do escritor Jay Asher publicado em 2007. Foi lançado no Brasil em Portugal. O livro alcançou o primeiro lugar no New York Times bestseller em Julho de 2011.

A narrativa é dramática, a história de Hannah no livro foi bem escrita. Quem diria que estar no topo da lista de “Melhor bunda do primeiro ano” acarretaria tantas consequências.


Não gostamos de finais infelizes. Apesar da maioria dos expectadores achar os vilões fascinantes, no fim temos a esperança do bem vencer o mal. Contudo, não há mocinhos e bandidos na história. E, desde o início, já sabemos como termina a história. O fim é o começo.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Dependência: redução e psicanálise



“O tratamento psicanalítico das toxicomanias, a meu ver, deveria ser inserido em todos os sistemas de tratamento”

Embora a principal iniciativa das famílias, no momento de desespero, seja um pensamento de exclusão social por meio de acolhimento ou internação de usuários dependentes de drogas (lícitas ou ilícitas) outro caminho é possível. Para trilhá-lo é preciso conhecer os programas de políticas públicas para este fim.

A realidade dos dependentes e familiares é incomensurável. A aparência é de que dois mundos distintos estão em lados opostos. De um lado estão os profissionais habilitados que lidam com a saúde pública de redução de danos e que, muitas vezes, não têm experiência, vivência e qualificação para lidar com dependentes químicos e de outro as famílias que, impacientes, querem soluções milagrosas para o problema.

Pois bem, atualmente, o campo das toxicomanias, segundo as pesquisadoras Cynara Teixeira RibeiroI e Andréa Hortélio Fernandes, apresenta uma variedade de ofertas.

No artigo “Tratamentos para usuários de drogas: possibilidades, desafios e limites da articulação entre as propostas da redução de danos e da psicanálise” elas citam como exemplos tratamentos diversos que abrangem desde o medicamento, internação à redução de danos. O destaque maior vai, na minha avaliação, para o psicanalítico.

“(...) com exceção da psicanálise e da redução de danos, as outras ofertas de tratamento estão pautadas, majoritariamente, no princípio da abstinência”, afirmam. Portanto, na variedade do tratamento das toxicomanias é possível classificar ao menos três propostas diferentes: a abstinência, a redução de danos e a psicanálise.

O isolamento do paciente da sociedade é a principal crítica feita aos tratamentos que ocorrem em instituições fechadas, apesar de algumas unidades acolhedoras serem respeitadas e priorizarem a humanização e atividades fora das instituições. Talvez, o caminho seja este para derrubar a fundamentação de “manicômio moderno”.

A redução de danos, embora tratar-se de uma modalidade relativamente nova, tem seus velhos vícios. Uma crítica seria o despreparo na qualificação profissional em se tratando de uma abordagem que poderia ser revolucionária. Na teoria, seria um conjunto de políticas e práticas cujo objetivo é reduzir os danos associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não querem parar o uso.

“Por definição, a redução de danos foca na prevenção aos danos, ao invés da prevenção do uso de drogas, intervindo com pessoas que seguem usando drogas. São práticas em saúde que consideram a singularidade dos sujeitos, que valorizam sua autonomia e que constroem com o usuário projetos de vida que priorizem sua qualidade de vida”, destaca a assistente social e psicóloga Patrícia Maia von Flach.

Para Maria, manter as pessoas que usam drogas vivas e protegidas de danos irreparáveis são consideradas prioridades. Porém, na prática a teoria é outra. Profissionais legalmente habilitados, mas desqualificados, somado ao sucateamento das unidades dos Centros de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (Caps/ad) espalhados por aí deixam a população desamparada e com a sensação de que o poder público não está cumprindo a sua finalidade, ou seja, o tratamento dos que procuram esta modalidade.

A redução de danos está longe em ser considerada a principal estratégia de cuidado a usuários de drogas no campo da Saúde Pública, principalmente em Cachoeiro de Itapemirim. Por outro lado, há os que se esforçam em procurar a fundo os paradigmas para discutir as políticas sobre drogas de forma qualificada e com embasamento clínico e teórico, seja qual abordagem for.

A psicanálise considera que as drogas podem ser usadas com diferentes funções. Assim, no tratamento psicanalítico, torna-se necessário considerar a função e o sentido desse fenômeno para cada sujeito a fim de tornar possível a identificação da relação estabelecida entre o sujeito e o tóxico.

O tratamento psicanalítico das toxicomanias, a meu ver, deveria ser inserido em todos os sistemas de tratamento por pautar-se numa escuta qualificada do sujeito, diferente de qualquer abordagem. Seja por abstinência ou redução de danos.

A conclusão da pesquisa de Cynara e André é, de fato, impressionante e, de fato, consistente. “Se a droga é pautada por um gozo no corpo, um gozo que não expressa a si mesmo através da linguagem, o objetivo do tratamento analítico é possibilitar que o sujeito faça um movimento que vá da adição à palavra”.

O que é da ordem do mais-gozar e mais-além do princípio do prazer só os psicanalistas dão conta. Nenhuma outra abordagem pontua ou enxerga o não-dito, o que não é óbvio, de forma tão minuciosa quanto à psicanálise. O resto é perda de tempo.


A solução seria aliar os dispositivos para tratamento com Psicanálise aplicada, mas, para isso, basta vontade política, fim de preconceitos, coleguismos e de vaidades pessoais.

sexta-feira, 17 de março de 2017

A lógica do agora


Os referenciais morais da época anterior são retirados de cena para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade.

Hoje, em função da nova realidade social, a prática na clínica psicanalítica aponta para um profissional que não tenha o perfil de dono da verdade, pois a necessidade obriga, mais do que nunca, uma postura interrogativa.

É uma época de liquidez, de volatilidade, de incerteza e insegurança. Os referenciais morais da época anterior são retirados de cena para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade.

Quem procura o tratamento psicanalítico apresenta uma tendência para a busca de soluções mais rápidas e, alegando razões econômicas reais, insiste em ter um menor número de sessões semanais, além de uma duração mais curta da análise.

Adicionado ao sucesso dos medicamentos milagrosos, ocorre uma perigosa confusão entre muitos pacientes e psicoterapeutas de outras linhas e métodos teóricos. Alguns agem como se fossem resolver todos os problemas humanos.

Empregos temporários, meia jornada, trabalhos em que as relações de empregado-empregador são constituídas somente pelos dois, se tornam situações fáceis de observar e consideradas legítimas. Nisso, emerge a figura do desempregado crônico.

Desde as ações pioneiras de Sigmund Freud, em relação ao tratamento analítico, é possível observar grandes mudanças na prática da Psicanálise. Por isso, este novo analisando é quem procura atendimentos sociais ou por vias (cheias de dúvidas) pela internet.

A sociedade contemporânea espalha a solidão, o que pode ser comprovado pelas inovações tecnológicas, pois, as últimas novidades de celulares têm vida própria, cara e curta. Cinco mil ‘amigos’ na palma da mão. Ninguém tem mil amigos, realmente, se tem, não conheço. 

Atualmente, o perfil dos pacientes aponta para pessoas que apresentam um sentimento de baixa autoestima, toxicomania e quadros altamente estressados. Isso tudo, em tese, por conta da crise financeira, existencial e da sensação incômoda de injustiça. A maioria tem que rebolar e encolher a barriga porque a vida não é uma calça justa.

Não há ‘like’ no mundo real. Muito menos ferramentas para “editar” a vida, como nas redes sociais. Os erros e acertos fazem parte do que nós somos. Demasiadamente humanos. Lidar com tudo isso é a grande questão.    


Conforme a psicanálise...


“Ponham algo de si na psicanálise… “, Jacques Lacan.

A psicanálise se popularizou de tal forma que suas teorias são, muitas vezes, veiculadas de modo errôneo, como tudo que passa por um processo de grande divulgação, em especial numa sociedade de massas como a nossa.

Assim, é preciso esclarecer o significado dessa expressão. O que é psicanálise? Em primeiro lugar, uma teoria que pretende explicar o funcionamento da mente humana.

Além disso, a partir dessa explicação, ela se transforma num método de tratamento para angústia. Há uma dificuldade do público leigo em diferenciar os profissionais psi.

Em princípio, mesmo que outros utilizem teoricamente o termo, o psicanalista é o único terapeuta que trabalha considerando a presença e ação do Inconsciente. Há situações em que a Teoria Psicanalítica pode ser utilizada e adequada a cada situação, inclusive, que foge às quatro paredes da clínica.

A vida diária é tão complexa quanto o inconsciente, portanto, para cada ato encontramos respostas na psicanálise, obtendo assim um diálogo com a Filosofia. Pensar e agir conforme a Teoria Psicanalítica pode ser a chave para grandes questões e paradigmas que afligem o ser humano nos tempos atuais.

O problema com a toxicomania é amplamente dissertado no trabalho e, mesmo contra-indicado por Freud, ainda pontuo situações que ela, a toxicomania, se relaciona na clínica psicanalítica da atualidade.

Embora as primeiras iniciativas formais de tratamento das toxicomanias tenham surgido em 1784, ainda hoje é uma questão complexa.

Freud afirmou serem as adições um problema para sua teoria, entretanto, há uma vasta produção teórica e exemplos clínicos da eficácia da Psicanálise entre os dependentes químicos. Nesta perspectiva, será desenvolvida uma crítica ao quadro exclusivamente estrutural.

Numa tentativa para caracterizar um perverso é preciso o conhecimento de sua sexualidade, contudo não seriam os vícios traços perversos? Existem muitos casos ditos perversos, mas que não se inscrevem numa estrutura perversa, podendo ser os toxicômanos psicóticos ou neuróticos.

Mesmo se a orientação for estruturalista, há de reconhecer que a toxicomania põe em xeque o estruturalismo ortodoxo.

Cabe, então, outro questionamento: há realmente estrutura perversa na contemporaneidade? E ainda: a toxicomania é traço, um distúrbio ou sintoma?


Para avaliar as questões, uma visão mais apurada do histórico do sujeito e de sua queixa pode permitir ao analista e analisando um decisivo passo a caminho da entrada em análise.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Diversidade na unidade



“Por cultura entendo a mais intensa vida interior, a de mais batalha, a de mais inquietação, a de mais ânsia”, Miguel Unamuno.

A sensação é boa. Participar da reestruturação do Conselho Municipal de Cultura de Cachoeiro de Itapemirim não é fácil, mas o privilégio vale o esforço. Agendas, ofício, escrita, aulas e outros não foram impedimentos para aceitar prontamente o convite. Numa análise superficial, diria que há um sentimento unitário na diversidade cultural que, raras as vezes, havia sentido na cidade.

Na quarta (22) houve a primeira reunião extra-oficial dos conselheiros no Palácio Bernardino Monteiro para apresentações da equipe da secretaria de cultura e demais do poder público, bem como os atores principais: a sociedade civil.

Divulgar a cultura acompanhando o desempenho de quem faz a arte acontecer no sul do Estado é uma das prioridades. Não somente a versão “elitizada”, mas a popular, o artesanato, música, enfim, tudo que envolva arte.

Dava para perceber o entusiasmo de quem há anos participa do movimento político/cultural e de quem chegava pela primeira vez num ambiente repleto de diversidade, mas com o mesmo objetivo: a coletividade. Este é o espírito da coisa!

O conselho promete atuar com maestria e democracia para promover os que atuam na manutenção da literatura, cinema, teatro, história, música... Esta é sua finalidade. Aconselhar e também deliberar junto ao poder público.


Hoje ocupo este espaço semanal para afirmar que, em matéria de cultura, Cachoeiro está indo muito bem. Temos voz, voto e vontade. Vamos mostrar que tem muita gente boa por aí e que só falta um empurrãozinho. O conselho está aqui para isso.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Sobre o carnaval*



“Carnaval era meu, meu. No entanto, na realidade, eu dele pouco participava”, Clarice Lispector.
Qual o significado do carnaval? Carnavalizar é um estado de desordem, de subversão. Ao passarmos onze meses seguindo as regras do jogo social, o carnaval apresenta-se como uma espécie de libertação. Podemos ser aquilo que quisermos. Entrar numa nova realidade.

Os problemas e dificuldades rotineiros do real podem esperar fevereiro passar, como o último carro alegórico, na avenida da vida.

No fim de semana de carnaval é permitido fantasiar. Falar mais alto. “A fantasia é um conceito desenvolvido por Freud. Ela é o substituto do que é o brincar para a criança, sendo que enquanto a criança exibe seu brinquedo, o adulto inibe suas fantasias”, segundo artigo publicado no rgpsicanalise.

Com o passar do tempo, na vida adulta, assumimos certos compromissos. Construímos uma identidade e tememos o olhar do outro. Somos cobrados o tempo todo. Mas no carnaval... A coisa muda de figura. Podemos liberar nossos mais profundos e secretos desejos.

A melhor síntese, sobre o carnaval, que encontrei foi na dissertação publicada por Raquel Gomes da Silva e Roberta Santos Gondim, sobre “O Carnaval e suas fantasias”: “(...) O carnaval provoca uma quebra na ordem social e permite inversão de papéis e valores: pobre vira rei e rainha, homem vira mulher e mulher vira homem, adultos pedem chupeta enquanto crianças se transformam em super-heróis, enfim, o carnaval é representado pela mistura de cores, classes sociais, diversão e cultura. O importante é que tudo é "permitido".

Para as psicanalistas, a fantasia atrai o olhar do outro, faz chamar atenção. Há tanto prazer e felicidade em desfrutar deste momento que desejo e realidade se misturam por isso, o inconsciente pode fluir sem ultrapassar os limites da sociedade e de nossas cobranças pessoais.

O texto diz que as fantasias carnavalescas expõem o que muitas vezes ocultamos durante a nossa vida. As máscaras tomam o lugar das nossas dissimulações sociais, pois com os adereços nos disfarçamos ou nos revelamos, podendo brincar sem medos, independente de sermos lembrados no dia seguinte.

Mas, cuidado com os exageros. Diz o senso comum que o superego é solúvel em álcool e ao renascermos das cinzas voltaremos a sambar ao som da batucada das angústias do cotidiano. Até fevereiro, é claro!


*Publicado em 2016 no jornal ES de Fato, Fãs da Psicanálise e Vida em Equilíbrio.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Se beber, não idolatre




"Mantemos uma vida de fantasia onde nos comprazemos em compensar as deficiências da realidade", Freud.

O senso comum utiliza a palavra “alcoólatra” para nomear o sujeito que sofre com o alcoolismo. Este termo, que parece aos olhos da ciência equivocado, por sinal, vem de encontro a uma questão fundamental: não seria o álcool uma substância divina? Parece que sim.

A idolatria do álcool é encontrada em toda sociedade. Não há festa sem bebida alcoólica. Desde a antiguidade, nas civilizações antigas e também na literatura, nos bacanais de Dionísio, contados na mitologia, e nos tempos atuais. A garrafa nunca ficou vazia. Nada contra quem bebe socialmente. É cultural, o problema aqui é outro. De cada dez pessoas que consomem moderadamente ou abusam desta substância, uma vai ter graves problemas de compulsão e, possivelmente, se tornar um alcoolista.    

A relação entre o sujeito e o álcool é, durante a história, repleta de tapas e beijos. A bebida é uma das formas de escapar da realidade implacável. Alguns a utilizam como relaxante, uma ferramenta de aproximação social, recreação e até fins religiosos. Contudo, alguns usuários alteram o estado de consciência e tornam-se agressivos.

No caso do abuso ou dependência é diferente. Momentaneamente as angústias desaparecem como um “milagre” é como uma se fosse uma espécie de "religião", o consumidor idolatra e se entrega num êxtase entorpecente. Daí o termo “alcoólatra” poderia ser utilizado corretamente.

Por isso, a Semana Nacional de Combate ao Alcoolismo, não ao álcool, diga-se de passagem, é necessária. As campanhas de prevenção são o melhor caminho. Mesmo que os bebedores digam a famosa frase “paro quando eu quiser” é necessária uma intervenção educativa.

O álcool continua sendo droga mais usada em todo o planeta, à frente do tabaco e da cannabis. A substância depressora é responsável pelo envio de pessoas a prontos-socorros, e o vício que mais preocupou amigos e parentes das vítimas.


É um assunto de saúde pública. Muitos já vivenciaram cenas de violência na própria casa, provavelmente envolvendo o consumo exagerado.  Então, contra a cultura do consumo, esta semana vamos todos pensar sobre o assunto e combater a idolatria alcoólica. Portanto, se beber, não dirija. Nem o veículo e muito menos sua vida.  


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Vândalos



“(...) por mais semelhantes ou dessemelhantes que sejam seus modos de vida, seu caráter ou sua inteligência, a mera circunstância de sua transformação numa massa lhes confere uma alma coletiva, graças à qual sentem, pensam e agem de modo inteiramente diferente do que cada um deles sentiria, pensaria e agiria isoladamente", Le Bon.

É fácil ancorar-se no discurso simplista de que um níquel sem a coroa, a cara cai para cima. Ou melhor, sem o gato os ratos fazem a festa. Mas, seria leviano de minha parte uma análise tão superficial. Acredito que além da "coroa", a moeda da sociedade tem duas "caras".

Para explicar o comportamento individual em contextos grupais recorro, como sempre, aos livros de psicanálise. Não há como deixar de abrir e reler "Psicologia das massas e análise do eu" numa situação como esta. Freud, na obra, cita o francês, Gustave Le Bon. Ele diz que na massa desaparecem singularidades.

Os indivíduos são compelidos a agirem de acordo com a maioria. Isso foi presenciado no saque coletivo nas lojas da cidade. Além, é claro, de bandidos armados, muitas famílias aproveitaram para saquear e destruir o patrimônio de outros.

Antes de mais nada, a fala equivocada de que os cidadãos de bem ficam em suas casas enquanto os bandidos estão nas ruas é, no mínimo, inadequada. Vejamos se alguns desses vândalos agiriam assim isoladamente, ou se, pessoas que estão em suas casas, ao juntarem com outros, não fariam justiça com as próprias mãos. Dois pesos com a mesma medida.

O psicanalista Christian Dunker comentando o livro "Violência", do esloveno Slavoj Zizek, recorre à história para explicar quem eram os vândalos (bárbaros germânicos que em 455 saquearam Roma). Na verdade,  o termo quer dizer andarilho. Além disso, explica, a palavra foi introduzida por um bispo francês, em 1794, para denunciar a violação do patrimônio artístico cultural promovida pela Revolução Francesa no contexto de seu ódio ao passado.

Talvez, como no título da obra, "Somos todos vândalos?", de Dunker, esse questionamento seria pertinente agora. Se o conceito foi empregado num contexto histórico para nomear uma conduta de ódio, nada mais justo que empregá-lo nas três instâncias envolvidas no ambiente urbano caótico. O Estado, os que estão em casa e aqueles que estão na rua... Todos vândalos.

Hipocrisia cobrar da população a "moral" e os bons costumes se o "Estado" não cumpre as leis. Cada um vai justificar sua conduta individual se protegendo na massa ou instituição. Na verdade, o que estamos assistindo aprisionados atrás dos muros dos camarotes de nossas casas é o reflexo de nossa sociedade. Na maioria das vezes, a corrupção e o descaso com o outro vêm de berço.


Isso mesmo, não é só a massa que depreda o comércio. O Estado que se entranha na burocracia e omite socorro a quem necessita e quem, nas redes sociais, propaga falsas notícias causando um sádico sofrimento aos mais desesperados também têm sua parcela de culpa. Mas, cabe ressaltar que, o Estado (conjunto de órgãos que deveria fornecer à massa o mínimo para sua sobrevivência)  é o principal responsável pela desordem. Aliás, a quem interessa manter a ordem?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

É anormal, secretário



Não adiantou o apelo da população amedrontada pela onda de violência no Estado do Espírito Santo por conta da paralisação da Polícia Militar. Haroldo Rocha insiste em iniciar o ano letivo nas escolas estaduais nesta segunda (06). Pelo que está circulando nos grupos oficiais de imprensa no sul do estado, dificilmente os pais deixarão os filhos sem segurança. A hora é de cautela. O que acontece é grave.

“Precisamos manter a serenidade e acolher as famílias dos nossos estudantes”, insiste o secretário. Como? Quem vai trabalhar com tranquilidade? Talvez os políticos com os filhos em casa porque as escolas particulares não irão funcionar.  

Segundo ele “não podemos entrar em pânico com as informações das redes sociais. Precisamos ser seletivos, pois temos responsabilidade pública”. Concordo. Mais ainda com a responsabilidade em garantir a segurança dos funcionários públicos, pais e alunos.


E quando ele diz que “nós podemos fazer o dia de amanhã (06) ser um dia normal”. Não, não podemos. Isso cabe ao Governo acertar as contas dos agentes de segurança para garantir a volta da sanidade em meio ao pânico generalizado.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Como lidar com as críticas



“Brincando pode-se dizer de tudo, até mesmo a verdade”, Sigmund Freud.

Quando tomamos uma decisão importante logo vem à mente uma pequena angústia. Será que tomamos a decisão correta? Ou, se não, saberemos lidar com as consequências? E com as críticas? Estas, sim, parecem implacáveis, como diriam os neologistas das redes sociais: “#SQN”, sic.

Parece difícil, mas colocar-se no lugar de quem está fazendo a crítica é o primeiro passo para uma análise mais justificada. Contudo, esta me parece ser uma tarefa extremamente complicada. Vai depender de quem (ou o que) é alvo de críticas, ou seja, a decisão importante (como disse no início) ou seria um ataque pessoal? Neste caso, lembre-se que apenas uma pessoa no mundo inteiro te conhece: você mesmo!  

Mas, o grande lance está, justamente, em aceitar as críticas com um pouco de humor. E geralmente elas vêm em formas de chistes. A piada é uma ferramenta extraordinária para dizermos o que não poderíamos ou deveríamos sobre uma situação. A ironia é um ótimo exemplo.

Pessoas com baixa autoestima ou inseguras são mais suscetíveis às críticas. A dificuldade em lidar com elas pode desencadear vários problemas, a começar com discussões inúteis. A verdade sobre algo ou alguém não pode ser supostamente vislumbrada apenas de um único ponto de vista. Está certo que nos conhecemos melhor do que ninguém, mas crescemos e nos tornamos melhores por causa dos “outros”.

Ao posicionarmos sobre qualquer assunto, num primeiro momento, a preocupação com o receptor da mensagem é quase nula. Esta condição é imediatamente ativada quando não somos compreendidos ou por falta de competência nossa pela ineficácia na transmissão da mensagem ou por falta de entendimento do receptor. Lacan já dizia que “você pode saber o que disse, mas nunca o que outro escutou”.

Enfim, uma maneira de lidar com esta angústia é saber que não existe apenas uma maneira de ver e perceber a realidade. A nossa pode ser diferente. Entretanto, ao receber uma crítica, saiba que não há vergonha em mudar de conceitos. Assim, as reservas e preconceitos serão melhores absorvidas e processadas de maneira que as decisões tornem-se mais suportáveis. 


Saiba ainda que quem muito te critica, no fundo te admira. 

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Formação aberta e rigorosa



"Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás", Che. 
Apesar das pressões morais, algumas legítimas, de muitos profissionais da área da saúde,
a ocupação de psicanalista em nosso pais é livre e qualquer pessoa que possua nível superior pode entrar num programa de formação, clinicar e trabalhar legalmente com a psicanálise.

O estudo é aberto para todos os interessados. Isto quer dizer que a formação em psicanálise não é exclusiva dos médicos ou psicólogos. Porém, infelizmente, a psicanálise foi bastante divulgada em nosso país e inúmeras entidades pensando somente nos interesses financeiros passaram a ministrar cursos e desenvolver trabalhos sem qualidade o que acabou chamando a atenção de forma negativa para a técnica e formação psicanalítica.

Para saber se o curso de formação tem excelência é preciso ser cauteloso na escolha da escola. Algumas dicas para quem tem interesse na formação são imprescindíveis, como se os membros da escola são analisados, se há grupos de estudos permanentes, quantas associações, núcleos ou escolas são associadas, qual base teórica... E por aí vai.

Por ser uma educação livre muitos podem achar, erroneamente, que a formação em psicanálise é por etapa formal. Ledo engano. Há, na verdade, uma série de critérios para que os estudantes tornem-se analistas. A principal delas é a análise pessoal dos candidatos. Sem isso, não importa se o sujeito fez cinco ou dez anos de estudos teóricos ou se tem três ou quatro faculdades, especializações, mestrado ou doutorado. Isso é importante, mas a transmissão segue um protocolo universal que passa, sem sombra de dúvida, pelo consultório.

Depois, a supervisão e o complemento teórico dão um toque especial na análise didática sobre a formação do analista. A formação livre em psicanálise parece, mas não é simples. Algumas escolas reconhecem os estudos de outras instituições e podem complementar a carga horária, mas isso depende dos didatas de cada escola.      


Nós, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise (NEPP), propomos uma formação aberta, livre. Mas, extremamente rigorosa. Qualquer um pode candidatar-se a ser analista, desde que  tenha nível superior e esteja em análise. 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

(Des)aparecido Rubem


"É extraordinário que eu esteja aqui, nesta casa, nesta janela, e ao mesmo tempo é completamente natural e parece que toda minha vida fora daqui foi apenas uma excursão confusa e longa; moro aqui. Na verdade onde posso morar senão em minha casa?", Rubem Braga.
Todos os anos os agentes culturais e municipalidade comemoram o aniversário de Rubem Braga (maior cronista brasileiro desde Machado de Assis). Apesar de aos 13 anos ter saído do município, do qual seu pai fora o primeiro prefeito, para completar seus estudos... Mais importante é que Rubem jamais tiraria a Capital Secreta de seu pensamento. Levou-a para o mundo.
Bacharel em direito desabrochou seus talentos - como diriam os filósofos gregos - no jornalismo. A vida inteira dedicada ao ofício das letras. Foi correspondente de guerra e cônsul do Brasil. Morou em vários países e em capitais brasileiras.
Atendendo seu último desejo, registrado em bilhete à sua irmã Gracinha (falecida em 2013), suas cinzas foram lançadas no Rio Itapemirim em 19 de dezembro de 1990. A morte física de Rubem Braga jamais apagaria, principalmente para os munícipes, a chama eterna de seu afeto por Cachoeiro.
No trecho de "O desaparecido", do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969, ele mesmo ressalta:
"Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor".
O aniversário de Rubem Braga traduz-se, portanto, em data solene, a ser reverenciada por todos os cachoeirenses, por tudo o que significou para a cultura do país e, especificamente, por tudo o que dedicou à cidade.
Termino o texto com uma de suas mais famosas passagens:

"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa: Eu sou lá de Cachoeiro...".

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Sobre os “amigos” virtuais


Nada irrita mais do que a intenção do outro de sair do jogo, pois tropeça no que sou”, Lacan.
Convenientes. Nossos “amigos” virtuais são, na verdade, caquinhos de vidro que refletem nossa escolha objetal narcísica. Quero dizer com isso que nos amamos através do que é semelhante. Lacan vai dizer que na experiência do espelho o sujeito se identifica com uma ilusão. Pois se descartamos, com a maior facilidade, o diferente... Ele tinha razão. Não somos tolerantes. Até quem prega como bandeira a tolerância, não é.
As redes sociais, ao contrário do que imagina nossa vã filosofia, estão cheias de pequenos reflexos de nós mesmos. Ao encontramos um pontinho diferente no meio da cristalina couraça que separa o real e o virtual logo eliminamos. Somos traidores, assassinos frios e cruéis. Quando alguém contraria o que dissemos... Basta um clique e pronto. Fim da linha daquele sujeito no meu ideal de ego, ou melhor, de mundo virtual.
A rede social não pode ser chamada de comunidade (como diria Baumann). Numa comunidade real (fora do virtual) não podemos eliminar quem é contrário às nossas convicções. Mas, numa rede virtual sim. Apesar de não termos critérios para as “amizades” vamos para o segundo, terceiro... Quanto mais perfil, mais seguidores, mais curtidas, melhor.
Agora, outro problema vem com o uso de uma ferramenta em rede: a falta de privacidade. O controle sobre quem bisbilhota é ilusório. O sujeito que nada numa nuvem de selfies ainda se permite fantasiar sobre privacidade. É, no mínimo, estranho.
“Minha rede social não é pública”, sic. Parece piada, mas muita gente diz isso. E sobre a rede, se é social... É pública! Ou não se publica, ora bolas. Os termos de privacidade são meros protocolos burocráticos que não servem para bulhufas.
Quer outro exemplo: “Postei um pensamento que achei bacana. Um babaca qualquer tinha que comentar contra”. Tinha. Aliás, se não tem como sustentar sua opinião numa comunidade quem tem que sair dela é você.
Chego à conclusão que os novos veículos de mídia não só servem para promoção pessoal, mas para alimentar a onipotência perdida na infância. Conceitos psicanalíticos nunca foram tão úteis quanto agora. Só perdem para o Google.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A Síndrome do Ano Novo


No fundo, a loucura de final de ano apenas potencializa a loucura que já estava lá, encoberta pela nuvem do esquecimento e da ocupação”, Christian Dunker.
Não há como escapar das “loucuras” do final de ano. Pequenas ou exageradas. Pessoas instáveis emocionalmente tendem, em mudanças, vivenciar angústias de diversas maneiras. Ansiedade, estresse, depressão, compulsão... São alguns sintomas que variam de acordo com cada sujeito.
Generalizar é perigoso. Mas também é uma das loucuras listadas aqui. Ao menos de minha parte. Evito ao máximo fazer isso, mas, como estamos no final de 2016 (nem Freud explica este ano), me permito cometê-la em dosagem – sem tarja - controlada. A generalização faz parte, talvez, do grupo de sintomas da Síndrome do Ano Novo.
Certa vez, numa das edições da revista Psique Ciência & Vida, no qual sou colaborador, li uma entrevista interessante com a psicanalista Lea Waidergorn. O texto dizia que no consultório psicanalítico, neste período, predominam frases como: "Odeio festas", "não gosto do final de ano", "muita gente na rua comprando", “isso me irrita”. E desde a leitura, há alguns anos vivencio na prática este mal-estar dos pacientes que manifestam repulsa pelas festas.
Alguns até fazem da reunião familiar um suplício. Entre os psicanalistas, o que mais ocorre é uma piada antiga: “Festas de fim de ano equivalem ao Seminário 10 de Lacan (Angústia)”.
E aos 45 do segundo tempo, na véspera, nos deparamos com o peso de nossa própria consciência que insiste na retrospectiva moral, financeira e possíveis conjecturas. O popular “balanço” do que foi o ano. Automaticamente propomos metas que não serão cumpridas no próximo. Isso, por culparmos os outros por nossas próprias falhas e/ou fraquezas. Se não consegui foi por causa de fulano ou de alguma circunstância ou falta de condições... Nunca a culpa do próprio martírio é nossa. Sempre o outro é o vilão da história.
Mas, para cada coisa, cada sintoma da Síndrome do Ano Novo, tem um jeito. Único. Conviver da melhor forma possível com a manifestação da loucura acumulada durante o ano. Viver é conviver com isso para, então, experimentar, mesmo com o desconforto inicial, a novidade.
Não se preocupe. A gente se acostuma. E até o final do próximo ano muita coisa, boa ou ruim, vai acontecer e aparecer no momento exato do salto no trampolim com 365 metros de altura.

Supere. É tempo de viver o novo!      

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Da redação...


Na clínica (ou fora dela), o não dito, as bobagens e até o silêncio é gritante e importante. Em análise, quem constrói a história é o analisando. O analista se encarrega da pontuação. RM.

Se, para a psicanalista francesa Catherine Millot, a escrita foi uma continuação do seu processo de análise, no meu caso, o avesso é impresso. A linguagem estruturada no inconsciente é o desdobramento de tantas linhas escritas ao longo de duas décadas ou mais.

Somos e escrevemos o que a literatura (ficcional ou não) nos interessa naquele momento. Da dureza crua na ordem direta do jornalismo ao humor ácido e desprovido de censura das críticas políticas. Da crônica ao artigo de opinião, sem nenhuma dúvida, as palavras transbordam vivências e experiências de acordo com as vicissitudes temáticas e percalços das experiências passadas.

Como não dizer sobre psicanálise se é no momento minha principal fonte de abastecimento teórico. Podem dizer que os textos são para um público específico. E são. Para os que interessam pela leitura. Não são para os que não lêem. Até por motivo prático. Gosto de dizer o não dito. O que não é exposto interessa tanto ou mais do que o óbvio ululante de Nelson Rodrigues.

Tem gente que faz das palavras o que quer. Brinca com o texto de ponta a ponto. Nossa intenção nem chega perto. Aliás, nem é intenção ou instinto. A escrita, de minha parte, é pulsional.  Escrevo por sublimação.

Meus colegas escrevem por outros motivos os quais, singulares, revelam talentos, muitas vezes adormecidos ou reprimidos pelo contexto social, oportunidade ou pelo próprio inconsciente. Outros, com seus talentos particulares, não se intimidam com as forças internas que resultam em inibição.

A contemplação, principalmente, de projetos literários e teatrais, pela Lei Rubem Braga, de Fernando Gomes, Marcelo Grillo, Paula Garruth, Claudia Sabadini, Lucimar Costa e Luiz Carlos Cardoso, sem falar nos lançamentos das obras “Monge Guerreiro”, do jornalista Rômulo Felipe, e também da antologia "Esse Ofício das Letras", uma coletânea das melhores crônicas e contos publicados na Revista Cachoeiro Cult, no Mourad’s, com participações de Simone Lacerda, Fábio Brito, entre outros, são testemunhas das colocações neste texto apócrifo. Estas publicações fazem da semana na capital secreta fria e chuvosa o melhor lugar para ler uns livros.

Preparando seminário sobre a constituição do sujeito na psicanálise me dei conta que a formação do escritor, leitor ou analista passa pela angústia da espera e alegria em ter seu trabalho publicado, lido, reconhecido e recomendado. Essas são minhas pontuações. Fim da análise.  

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

As fontes de sofrimento da sociedade


“O preço que a gente tem a pagar para que as coisas funcionem é a exclusão. Como fez Simão Bacamarte”, Dunker.

A psicanálise não está estagnada somente sobre aquilo que é individual. A sociedade em que o sujeito faz parte também é matéria primordial de análise dentro e fora da clínica. As doenças terminais, catástrofes naturais e a relação com o outro foram descritas como infortúnios da civilização pelo criador do método de investigação do inconsciente.  

Das três fontes inesgotáveis de sofrimento do homem no ambiente em que vive (entre eles o próprio corpo e os relacionamentos), a catástrofe natural é um fator de risco contínuo. Por mais que tenhamos precauções culturais, em época de chuvas fortes, o trabalho do ser humano é o de lutar contra o desprazer em detrimento da tentativa de segurança social, que é ilusória. Portanto, abdicamos das exigências da pulsão na esperança de sofrer menos. Contamos com o que pode não acontecer. Não há como controlar a natureza, pois o mal-estar advindo do mundo externo é, na maioria das vezes, inevitável.

Sobre o próprio corpo estão as doenças incuráveis. Outro mal que devemos suportar e aceitar muitas vezes por motivos diversos. Mas, os relacionamentos... Estes são complicadíssimos. Lidar com o outro, mesmo quando o conhecemos, não é tarefa simples. Torna-se mais complicado ainda quando desconhecidos interagem de forma violenta, por meio de arroubos criminosos.

Uma das formas de não encarar a realidade cruel é o amparo da espiritualidade. A religião, como função paterna protetora, seria importante para conservar a sociedade, pois a natureza do homem exige esse tipo de defesa contra o desamparo infantil que persiste na vida adulta.

Em “O mal-estar na civilização”, de 1930, Freud afirma que:

“a felicidade humana não parece ser a finalidade do universo e as possibilidades de infelicidade realizam-se mais prontamente. Essas possibilidades estão centralizadas em três fontes: o sofrimento físico, corporal; perigos advindos do mundo exterior e distúrbios ocasionados pela relação com outros seres humanos – talvez a fonte mais penosa de todas”.

Enquanto as oportunidades de alívio lícito da dor da existência forem restritas a um grupo seleto, a grande maioria vítima desta civilização implacável desconta no outro seu desamparo individual, na tentativa em encontrar no objeto escasso (dinheiro) motor da sociedade o alívio pessoal em detrimento do sofrimento alheio.

A sociedade é assim e tende a piorar e os arranjos de escape cada vez mais excludentes são elaborados. O psicanalista Christian Dunker problematiza:

“Sofremos, portanto, porque sabemos que a história termina mal. Nosso corpo não é infinito. A vida tem contingências. A natureza não está a nosso favor. Diante do caos inevitável, inventamos pactos, leis e formas de vida para remediar o mal-estar. Estes pactos criam um mal-estar ainda maior. Como resolvê-lo?”, questiona na obra Mal-estar, sofrimento e sintoma.

  

sábado, 3 de dezembro de 2016

O novo e a esperança



“Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno”, Rubem Alves.

Todo o ano é a mesma coisa: as promessas, esperanças, planos, angústias e estratégias para que as coisas caminhem em linha reta. Dezembro é o mês da despedida. Raro alguém se lembrar das passagens boas. Sobressaem as ruins, porém, apesar de que os momentos bons são raríssimos, a esperança nunca acaba. Ela é a mola propulsora para uma vida com menos sofrimento ou para suportar o fardo nosso de cada dia. 

O psicanalista Jorge Forbes, no texto “Feliz Ano Novo”, publicado na revista Emoção, em 6 de novembro de 2000, diz que o ano vindouro até auxilia os analistas no diagnóstico de algumas neuroses, por exemplo: “obsessivos seriam os que só querem o que não desejam, pois assim não arriscam perder o que lhes é mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves; e histéricas aquelas que, eternamente insatisfeitas com o que obtém, desejam sempre uma outra coisa. Querer o que se deseja implica o risco da aposta – toda decisão é arriscada – e a coragem de expor sua preferência, mesmo sabendo que toda carta de amor tende ao ridículo, como lembra Fernando Pessoa”. Este trecho é meu preferido

Em resumo, o analista quer dizer que suportar querer o que se deseja e não temer a surpresa do próprio Ano Novo é a grande chave para a esperança. Em termos leigos seria isso, porém há de se considerar que tudo que é “novo” causa receio. Para alguns, medo seria mais apropriado. Mas, para mudar algo deve sair do eixo estagnado. Não é o ano que será diferente. A mudança deve acontecer dentro ou fora de cada um senão não acontece. 

Certa vez escrevi que as festas de fim de ano produzem muitos efeitos, menos a indiferença. A data tem seus adeptos e seus desafetos. Os dois têm algo em comum, o sentimento despertando durante o período de festas. Bom ou mau, o que vale é sentir.

Há um conjunto de expectativas quanto às comemorações de fim de ano. Troca de presentes, socialização e outros. Por mais que racionalizamos um mal estar, o que vale é o que sentimos.

Dar algo sem querer nada em troca não tem preço, e faz bem.


Na verdade é preciso olhar para frente e buscarmos no simbolismo da mudança perspectivas para um recomeço esperançoso. Se a mãe de todos os afetos é a angústia, por que não, só desta vez, proclamar que o “Ano Novo” nasce da esperança? Vale a pena tentar de novo!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Imprensados*


“Jornalismo e literatura são irmãos gêmeos que nasceram muito diferentes e que hoje são mais parecidos do que nunca”, Zuenir Ventura.

Mais que uma profissão, o jornalismo é uma cachaça. Um vício virtuoso. Um ofício com papel muitíssimo importante: informar! Debater e opinar também faz parte do pacote. Mas, o que há de tão especial neste trabalho em que a rotina passa longe e a cada dia uma nova história, um novo sabor e outros olhares são impressos (postados) toda hora, todos os dias e o tempo todo nos veículos midiáticos? Eu respondo: as pessoas que são a “ponte” entre o fato e o leitor.

Há 17 anos, um grupo de profissionais celebra a difícil arte de ser jornalista. Os “imprensados” são, na verdade, uma família. Independente do jornal, rádio ou tevê. E a festa não seria a mesma sem a anfitriã tão querida por todos, Regina Monteiro.

Se para o bom jornalista meia vírgula é letra, e de um limão sai uma limonada, a bebida e a comida, enfim, é por nossa conta. Imprensado só paga para estar junto, todo o resto é creditado no jabá. Por isso, eis que surgiu a grande ideia do convívio. Sempre nos encontramos nas trincheiras da notícia, mas, neste dia, somos a pauta.

Diferente do que se pensa o jornalista não é aquele que demonstra saber tudo, mas o que tem humildade para querer e estar sempre aprendendo algo com o outro. Sem a alteridade o que seria do jornalismo?

É no colega que encontramos refúgio. Nos companheiros que inspiramos os textos. Nos amigos que confiamos nossos segredos. É verdade. O jornalista tem seus desejos que só poderão ser revelados se quebrar a regra básica: só não vale falar mal de quem está na festa.

Termino esta singela homenagem aos colegas citando o estudante de Jornalismo, Sandro Miranda: “Ser jornalista é ser meio ator, meio médico, meio advogado, meio atleta, meio tudo. Até meio jornaleiro, às vezes. Mas, acima de tudo, é orgulhar-se da profissão e saber que, de uma forma ou de outra, todo mundo também gostaria de ser um pouquinho jornalista”.

Viva a Festa dos Imprensados!


*Editado. Publicado originalmente em 18 de dezembro de 2014.

Política sobre drogas



“Um psicanalista sabe fazer com aquilo que escuta e, se especializado, fará o necessário para um encaminhamento mais eficaz”.

A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas preconiza que a assistência a esses usuários deve ser oferecida em todos os níveis de atenção, privilegiando os cuidados em dispositivos como os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS ad). A demanda é enorme, mas não devem, em hipótese alguma um dispositivo público fechar as portas ou deixar um usuário em fila de espera.

Por meio da política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas deu-se ao dependente químico o status de cidadão. O primeiro passo para uma abordagem humana e sem preconceitos está na garantia dos seus direitos básicos e fundamentais para a vida, como saúde, educação e assistência social. Antes, o usuário, sempre visto como um criminoso “sem vergonha”, sempre esteve privado pelas medidas coercitivas e moralistas de tratamento.

Enquanto os outros discursos estão voltados para o fenômeno do uso da droga e seu controle, a Psicanálise é um dispositivo avesso a este discurso e tem como direção de tratamento fazer falar este sujeito em sua singularidade radical, ou seja, dar lugar ao seu sintoma. Na experiência analítica é possível que se pergunte menos pela toxicomania do que pela droga como sintoma e sua relação com o sujeito do desejo, o dependente.

No Caps ad, as ações devem partir do pressuposto que existe um sujeito com voz, capaz de dizer de si mesmo. Não prevalecer a lógica da cura ou da imposição de um só modelo de tratamento para todos os usuários, muito menos delimitá-lo. Apesar da falta de recursos, pessoal e etc... O sistema deve atender todos que procuram o serviço.

Deve ser cedido ao sujeito um lugar de existência subjetiva, uma condição permanente de escuta e questionamento acerca de como esse outro se torna ator principal na construção do seu projeto de tratamento. Além disso, a atenção a esses usuários deve ser contemplada pela atuação integrada dos Programas de Saúde da Família (ou Estratégias de Saúde da Família), Agentes Comunitários de Saúde e Serviço de Redução de Danos e da Rede Básica de Saúde. O diálogo com grupos de mútua ajuda e outros dispositivos de auxílio ao tratamento devem ser priorizados. 

É imprescindível ressaltar que tanto o Caps ad quanto o Serviço de Redução de Danos pertencem ao modelo de assistência psicossocial que pretende superar o modo asilar (no sentido de manicômio, albergue em que institucionalizam o sujeito por anos). No entanto, o que se vê é uma falta de estratégia para encaminhamentos e superlotação no dispositivo, pois não se desenvolveu o Serviço de Redução de Danos, ao menos no sul do estado.

A descontinuidade é uma característica prevalecente no tratamento. São poucos os pacientes que permanecem por longo tempo na unidade. Diversos são os fatores que provocam essa característica. A fragilidade do vínculo com a instituição possivelmente tenha uma influência direta da relação que o sujeito estabelece com o seu objeto (droga), ou seja, com o gozo.

Num primeiro contato, parece que a escuta é ineficiente. Porém, dentro da rotina de desencontros, descontinuidade e um tratamento fragmentado, existem muitas falas que demandam a escuta e o cuidado para o campo da análise. Todos que compõem a equipe escutam. Até mesmo aqueles que se encarregam de tarefas operacionais ou administrativas. O que mudaria é: um psicanalista sabe fazer com aquilo que escuta e, se especializado, fará o necessário para um encaminhamento mais eficaz.

Já a atuação psicanalítica em Comunidades Terapêuticas (CT's) sérias em seu quadro de tratamento é um desafio tanto da rede SUS quanto das CT's romper com o modelo centrado na doença e não no sujeito. Investir no social tendo como recurso terapêutico, maior a relação entre os pares, também se faz necessário neste sistema comunidades que é histórico e com resultados eficientes no tratamento.


O adicto, com a ajuda da Psicanálise e de todos os dispositivos, sem distinção, pode entender o problema e lidar com ele da melhor forma possível. A opção é sem dele, do sujeito. Não há como impor algo que alguém não quer. Por isso o tratamento voluntário é mais eficaz.