“O tratamento psicanalítico das toxicomanias, a meu ver, deveria ser inserido em todos os sistemas de tratamento”
Embora a principal iniciativa das famílias, no momento de
desespero, seja um pensamento de exclusão social por meio de acolhimento ou
internação de usuários dependentes de drogas (lícitas ou ilícitas) outro
caminho é possível. Para trilhá-lo é preciso conhecer os programas de políticas
públicas para este fim.
A realidade dos dependentes e familiares é
incomensurável. A aparência é de que dois mundos distintos estão em lados
opostos. De um lado estão os profissionais habilitados que lidam com a saúde
pública de redução de danos e que, muitas vezes, não têm experiência, vivência
e qualificação para lidar com dependentes químicos e de outro as famílias que,
impacientes, querem soluções milagrosas para o problema.
Pois bem, atualmente, o campo das toxicomanias, segundo
as pesquisadoras Cynara Teixeira RibeiroI e Andréa Hortélio Fernandes,
apresenta uma variedade de ofertas.
No artigo “Tratamentos para usuários de drogas:
possibilidades, desafios e limites da articulação entre as propostas da redução
de danos e da psicanálise” elas citam como exemplos tratamentos diversos que
abrangem desde o medicamento, internação à redução de danos. O destaque maior
vai, na minha avaliação, para o psicanalítico.
“(...) com exceção da psicanálise e da redução de danos,
as outras ofertas de tratamento estão pautadas, majoritariamente, no princípio
da abstinência”, afirmam. Portanto, na variedade do tratamento das toxicomanias
é possível classificar ao menos três propostas diferentes: a abstinência, a
redução de danos e a psicanálise.
O isolamento do paciente da sociedade é a principal
crítica feita aos tratamentos que ocorrem em instituições fechadas, apesar de
algumas unidades acolhedoras serem respeitadas e priorizarem a humanização e
atividades fora das instituições. Talvez, o caminho seja este para derrubar a fundamentação
de “manicômio moderno”.
A redução de danos, embora tratar-se de uma modalidade
relativamente nova, tem seus velhos vícios. Uma crítica seria o despreparo na
qualificação profissional em se tratando de uma abordagem que poderia ser
revolucionária. Na teoria, seria um conjunto de políticas e práticas cujo
objetivo é reduzir os danos associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas
que não podem ou não querem parar o uso.
“Por definição, a redução de danos foca na prevenção aos
danos, ao invés da prevenção do uso de drogas, intervindo com pessoas que
seguem usando drogas. São práticas em saúde que consideram a singularidade dos
sujeitos, que valorizam sua autonomia e que constroem com o usuário projetos de
vida que priorizem sua qualidade de vida”, destaca a assistente social e
psicóloga Patrícia Maia von Flach.
Para Maria, manter as pessoas que usam drogas vivas e
protegidas de danos irreparáveis são consideradas prioridades. Porém, na
prática a teoria é outra. Profissionais legalmente habilitados, mas
desqualificados, somado ao sucateamento das unidades dos Centros de Atendimento
Psicossocial Álcool e Drogas (Caps/ad) espalhados por aí deixam a população
desamparada e com a sensação de que o poder público não está cumprindo a sua
finalidade, ou seja, o tratamento dos que procuram esta modalidade.
A redução de danos está longe em ser considerada a
principal estratégia de cuidado a usuários de drogas no campo da Saúde Pública,
principalmente em Cachoeiro de Itapemirim. Por outro lado, há os que se
esforçam em procurar a fundo os paradigmas para discutir as políticas sobre
drogas de forma qualificada e com embasamento clínico e teórico, seja qual
abordagem for.
A psicanálise considera que as drogas podem ser usadas
com diferentes funções. Assim, no tratamento psicanalítico, torna-se necessário
considerar a função e o sentido desse fenômeno para cada sujeito a fim de
tornar possível a identificação da relação estabelecida entre o sujeito e o
tóxico.
O tratamento psicanalítico das toxicomanias, a meu ver,
deveria ser inserido em todos os sistemas de tratamento por pautar-se numa
escuta qualificada do sujeito, diferente de qualquer abordagem. Seja por
abstinência ou redução de danos.
A conclusão da pesquisa de Cynara e André é, de fato,
impressionante e, de fato, consistente. “Se a droga é pautada por um gozo no
corpo, um gozo que não expressa a si mesmo através da linguagem, o objetivo do
tratamento analítico é possibilitar que o sujeito faça um movimento que vá da
adição à palavra”.
O que é da ordem do mais-gozar e mais-além do princípio
do prazer só os psicanalistas dão conta. Nenhuma outra abordagem pontua ou
enxerga o não-dito, o que não é óbvio, de forma tão minuciosa quanto à
psicanálise. O resto é perda de tempo.
A solução seria aliar os dispositivos para tratamento com
Psicanálise aplicada, mas, para isso, basta vontade política, fim de
preconceitos, coleguismos e de vaidades pessoais.