“O preço que a gente tem a pagar para que as coisas funcionem é a exclusão. Como fez Simão Bacamarte”, Dunker.
A psicanálise não está estagnada somente sobre aquilo que é
individual. A sociedade em que o sujeito faz parte também é matéria primordial de
análise dentro e fora da clínica. As doenças terminais, catástrofes naturais e
a relação com o outro foram descritas como infortúnios da civilização pelo
criador do método de investigação do inconsciente.
Das três fontes inesgotáveis de sofrimento do homem no
ambiente em que vive (entre eles o próprio corpo e os relacionamentos), a
catástrofe natural é um fator de risco contínuo. Por mais que tenhamos
precauções culturais, em época de chuvas fortes, o trabalho do ser humano é o
de lutar contra o desprazer em detrimento da tentativa de segurança social, que
é ilusória. Portanto, abdicamos das exigências da pulsão na esperança de sofrer
menos. Contamos com o que pode não acontecer. Não há como controlar a natureza,
pois o mal-estar advindo do mundo externo é, na maioria das vezes, inevitável.
Sobre o próprio corpo estão as doenças incuráveis. Outro mal
que devemos suportar e aceitar muitas vezes por motivos diversos. Mas, os
relacionamentos... Estes são complicadíssimos. Lidar com o outro, mesmo quando
o conhecemos, não é tarefa simples. Torna-se mais complicado ainda quando
desconhecidos interagem de forma violenta, por meio de arroubos criminosos.
Uma das formas de não encarar a realidade cruel é o amparo
da espiritualidade. A religião, como função paterna protetora, seria importante
para conservar a sociedade, pois a natureza do homem exige esse tipo de defesa
contra o desamparo infantil que persiste na vida adulta.
Em “O mal-estar na civilização”, de 1930, Freud afirma que:
“a felicidade humana não parece ser a finalidade do universo e as possibilidades de infelicidade realizam-se mais prontamente. Essas possibilidades estão centralizadas em três fontes: o sofrimento físico, corporal; perigos advindos do mundo exterior e distúrbios ocasionados pela relação com outros seres humanos – talvez a fonte mais penosa de todas”.
Enquanto as oportunidades de alívio lícito da dor da
existência forem restritas a um grupo seleto, a grande maioria vítima desta
civilização implacável desconta no outro seu desamparo individual, na tentativa em
encontrar no objeto escasso (dinheiro) motor da sociedade o alívio pessoal em
detrimento do sofrimento alheio.
A sociedade é assim e tende a piorar e os arranjos de escape
cada vez mais excludentes são elaborados. O psicanalista Christian Dunker
problematiza:
“Sofremos, portanto, porque sabemos que a história termina mal. Nosso corpo não é infinito. A vida tem contingências. A natureza não está a nosso favor. Diante do caos inevitável, inventamos pactos, leis e formas de vida para remediar o mal-estar. Estes pactos criam um mal-estar ainda maior. Como resolvê-lo?”, questiona na obra Mal-estar, sofrimento e sintoma.