terça-feira, 24 de setembro de 2013

A arte no divã



"A linguagem é a casa do ser", Heidegger.

Desde sua concepção, a Psicanálise está intimamente ligada à Literatura e a arte em geral. A imaginação, os afetos, arquétipos, significantes, significados, sonhos, emoções, subjetividade e outros verbetes encontrados em livros teóricos sobre a psicanálise, ao aprofundarmos o conhecimento sobre a mente humana, são extremamente conectados com a experiência literária artística. Freud mesmo disse: "aonde quer que eu vá, descubro que um poeta esteve lá antes de mim”.

Ao aprofundarmos sobre a biografia “pai” da Psicanálise, encontramos laços indissolúveis com a literatura e a arte.  Um de seus filhos, Martin Freud, escreveu uma memória intitulada “Freud: Homem e Pai”. Na obra, descreve o pai como um homem que trabalhava por longas horas, mas que adorava ficar com suas crianças durante as férias de verão. A ligação do psicanalista com a arte vai além de sua geração. Ele foi avô do pintor Lucian Freud, do ator e escritor Clement Freud e bisavô da jornalista Emma Freud.

Para ele, nosso cérebro trabalha com o campo da semântica, ou seja, a mente desenvolve os pensamentos num sistema de linguagem baseados em imagens, as quais são meras representações de significados latentes.

De acordo com o jornalista Euclides Dourado, a ligação de Freud com a literatura é manifestada por ele, em 1895, revelando que seus relatos clínicos parecem novelas, e atribui ao fato de ser o único estilo adequado a descrever seu objeto de estudo: o histórico de pacientes e a relação dos sintomas com seu passado.

Embora fosse um leigo, as obras de arte sempre exerceram sobre ele um efeito poderoso, sobretudo a literatura e a escultura. Passava longo tempo contemplando, tentando apreender à sua maneira e explicar a razão de seu efeito sobre si mesmo e sobre os outros.

A intimidade de Freud com a literatura está explícita no fato de ele ter recebido apenas um prêmio importante em toda sua vida: o prêmio Goethe de literatura, em 1930. O livro “O fausto de Freud: O Prêmio Goethe”, de Geraldino Alves Ferreira Netto, é mais uma oportunidade de lembrar que a Psicanálise, usualmente, deve muito à arte.

“Outro indicador do apreço de Freud pela literatura é a palestra que fez em 1907, sobre a importância do devaneio na criação literária, publicada no ano seguinte sob o título de ‘Escritores criativos e devaneio’, que até hoje é uma leitura favorita dos escritores”, ressalta Euclides em sua “Especulação VIII”.

A psicóloga Shyrley Pimenta atenta que Freud, no livro “A Interpretação dos Sonhos” (1900), interpreta as peças “Rei Édipo”, de Sófocles, e “Hamlet”, de Shakespeare. Elas já antecipavam a existência do complexo de Édipo, um dos temas centrais da Psicanálise.

“Freud analisou também ‘Gradiva’, uma novela de Wilhelm Jensen (1837-1911), escritor e poeta alemão. No volume IX de suas Obras Completas (Edição Standard), sob o título ‘O Delírio e os Sonhos na Gradiva de Jensen’, a interpretação de Freud revela o fetiche como uma substituição de sentimentos não resolvidos em relação a um amor de sua infância”, afirma a psicóloga em sua pesquisa.

Conforme artigo da psicóloga Maria Luiza Ferreira Fonseca, a abordagem lacaniana para as estabilizações psicóticas aproximam-se muito da literatura e das artes em geral. De acordo com Guerra (2010), Lacan ao abordar as diferentes possibilidades de saída na psicose, localiza mais dois movimentos subjetivos além do trabalho delirante já destacado por Freud. São eles a passagem ao ato e a obra (escrita).

Na antiguidade clássica observamos embriões que surgem da psique à arte. Platão, no diálogo “Ion” (533-534), explana sobre a inspiração para a criação artística e Aristóteles teorizava sobre a catarse.

É através do romance, segundo a escritora inglesa Brigid Brophy (1929-1995), que o estudo da mente penetrou nossa cultura. O hábito de ler aguçou nossa curiosidade a respeito das emoções, do conflito.

Definitivamente, a arte está no divã!