domingo, 12 de fevereiro de 2012

Doutor livro ao seu dispor



“Os textos consolam, amparam, dão esperanças e acenam com uma vida melhor”, defende o escritor Moacyr Scliar, que também é médico.


Ser ou não ser? Até hoje, leitores de todo o mundo se identificam com os dilemas de Hamlet, obra-prima de Shakespeare.
Na prateleira da sala ou na cabeceira do quarto, repousa um velho amigo. Sempre disponível para consultas, esse senhor de capa dura e lombada brochura não costuma poupar palavras. Às vezes, os livros nos acompanham ao longo da vida. E essa constância admirável nos enche de conforto. Quando ministrada na dose correta, a leitura diária de um punhado de páginas pode até ter efeito terapêutico. Em linhas gerais, é isso que propõe a biblioterapia.
Ao ler histórias sobre personagens que passam por conflitos semelhantes aos nossos, vislumbramos saídas e alternativas. Mas como encontrar “o” livro que poderia mudar a nossa vida? Dado o número de títulos disponíveis na literatura universal, a triagem pode ser extenuante. É aí que entram em ação os biblioterapeutas. Trabalhando como verdadeiros investigadores, eles pesquisam a “vida literária” dos pacientes para descobrir qual autor poderia catalisar o processo de cura.

Método é sucesso em vários países
Apesar de ainda ser pouco conhecido, o método vem sendo testado com sucesso em diversos países. Na Inglaterra, o pioneirismo coube à School of Life, instituição encabeçada pelas especialistas em letras Susan Elderkin e Ella Berthoud. Após um período de cinco meses de entrevistas (que podem ser feitas cara a cara ou a distância, por telefone ou e-mail), as duas traçam o perfil dos pacientes. O segundo passo é fazer a lista de obras a serem lidas. E se você pensou apenas em livros de autoajuda, saiba que não poderia estar mais enganado: de Ovídio a Saramago, tudo entra na dança.

Ideia antiga
Na verdade, a ideia de que livros podem ajudar a enfrentar problemas e carências emocionais é tão antiga quanto a própria prática de ler. No Egito antigo, o faraó Ramsés II já acreditava que os livros eram os “remédios da alma”. Na Grécia Antiga, recomendava-se a leitura individual como parte do tratamento médico. Apenas a partir do século 20, a leitura compartilhada e a posterior discussão em grupo recebeu o nome de biblioterapia. Para o médico e escritor Moacyr Scliar, a biblioterapia está tão integrada à vida das pessoas que, às vezes, pode até passar despercebida. “As pessoas leem a Bíblia em busca de amparo emocional, por exemplo”, pondera. Ele explica que as raízes da biblioterapia vêm dos textos sagrados, que “tinham efeitos psicoterápicos antes de a medicina pensar em psicoterapia”.

Catarse
Além disso, o autor frisa que os efeitos práticos da biblioterapia vão muito além da mera abstração dos problemas. Graças à catarse provocada pela identificação com as obras, os sentimentos reprimidos podem ser verbalizados, colocados para fora — e trabalhados. “Os textos consolam, amparam, dão esperanças e acenam com uma vida melhor”, defende. Apesar da semelhança com grupos de leitura, que elegem uma obra para ser discutida posteriormente por todos os integrantes, as sessões de biblioterapia se diferenciam por ter um mediador, que irá ditar os rumos da conversa e indicar os novos textos a serem trabalhados. “O coordenador precisa ter uma formação psicoterápica e conhecimento da área literária”, completa Scliar. Somente com a soma dos dois campos de conhecimento é possível organizar um grupo realmente eficaz.
Por meio da leitura, narração ou dramatização de um texto literário, procura-se instigar a imaginação do público-alvo, ao mesmo tempo permitindo livre expressão de suas emoções. O aplicador deixa ao cargo do público-alvo a liberdade de interpretação.

A biblioterapia é democrática
Se na terapia convencional o palco é o consultório, a biblioterapia é mais democrática: basta que se tenha a matéria-prima essencial, livros, claro. Com tantos benefícios, será um bom negócio substituir a terapia convencional pelos remédios escritos? Para Caldin, a troca pode não ser uma boa ideia, uma vez que a biblioterapia de desenvolvimento é uma arte, não uma ciência — e, como tal, não substitui os tratamentos convencionais ou medicamentos. “O cuidado demonstrado pelos aplicadores permite a intercorporeidade, a intersubjetividade e o descentramento, que são fatores benfazejos”, explica. “Isso fornece a certeza de que não estamos sozinhos para enfrentar os problemas.”

Vários títulos
Apesar de usar o mesmo princípio como base, a biblioterapia se divide em alguns tipos diferentes. Saiba mais sobre eles:

Biblioterapia institucional
• Provavelmente, você já passou por ela. Muito usada em ambientes institucionais públicos e privados, é aquela palestra em que a empresa traz conteúdo novo que os funcionários precisam aprender. Pode ser feita em grupo ou de forma individual e não usa literatura, mas material didático.

Biblioterapia clínica
• Feita em grupo, é voltada para pessoas com problemas emocionais ou comportamentais. É feita com uma equipe de médicos e bibliotecários, e usa literatura ficcional como base dos debates entre os participantes.

Biblioterapia desenvolvimental
• Também em grupo, os participantes não precisam, necessariamente, estar passando por problemas psicológicos. Em muitos casos, o paciente está mentalmente saudável, mas atravessa um período de crise. A literatura usada pode ser ficcional ou didática.


Alternativa para realidade
Diferentemente de uma leitura banal, a biblioterapia busca dar informações sobre os problemas vividos e os resultados que se espera alcançar — que mudam dependendo do público-alvo abordado. Das histórias com fantoches a livros de contos, o principal é minimizar as deficiências e reforçar a mensagem de que há sim uma realidade complicada, mas também alternativas para ela.


Na prateleira

O terapeuta e o lobo — A utilização do conto na psicoterapia da criança
O livro é o resultado de uma pesquisa clínica comparativa feita na França, que analisa crianças que passam por um processo de ruptura com suas famílias. Na obra, Celso Gutfreind — psiquiatra infantil, poeta e escritor — fala sobre a importância do conto para o reforço à identidade infantil e para driblar medos comuns na infância.
Editora: Casa do Psicólogo
Autor: Celso Gutfreind
(Preço sob consulta)

O olhar médico — Crônicas de medicina e saúde
Por meio de crônicas, o médico e escritor Moacyr Scliar fala de questões
ligadas à vida e à saúde de maneira geral, com temas como medicamentos, dor, esportes, sexualidade, velhice, morte e qualidade de vida.
Editora: Ágora
Autor: Moacyr Scliar

fonte: http://www.cfb.org.br