domingo, 4 de março de 2012

Eu vou lhe dar uma pala...





“Todo amor é recíproco, mesmo quando não é correspondido”, Lacan.

por Roney Moraes *

Se eu fosse o prefeito de Cachoeiro, após a melhora de sua aprovação, administrativa e pessoal, com base em pesquisa publicada no jornal A Gazeta, diria aos adversários com toda a autoridade: “eu saio da fossa, xingando em nagô. Você que ouve e não fala. Você que olha e não vê. Eu vou lhe dar uma pala. Você vai ter que aprender... A tonga da mironga do cabuletê”.
O xingamento em nagô, “tonga da mironga do cabuletê”, significa “o pêlo do c... da mãe”, daria um mote para a teoria do desenvolvimento psicossexual do mandato. Como é de quatro anos, deve passar, se considerado um indivíduo, mesmo que jurídico, pelas fases, oral, anal e fálica. Em caso de reeleição, de latência e genital.
Na verdade, tudo isso para descrever um sentimento de descarga emocional, em relação aos que perduram na insistência de que as ações da prefeitura não vão dar certo, não seria tão necessário. O momento é outro. A situação é outra e um governo nunca é singular, salvo as ditaduras.
O certo, pelo que parece, é que está dando. O primeiro passo é esse aí para quem quiser ver, mas, por enquanto, só têm àqueles que olham e não vêem, como na letra do “Poetinha”.
A psicanálise como um dispositivo político, pode aliviar e analisar essa tensão. Não estou retornando as fases psicossexuais da infância, sejam elas anais, fálicas, ou quais quer que sejam. O xingamento em nagô é só para sair da dureza do protocolo, sem perder a ternura jamais. Quero dar um sentido político de libertação. Ao grito preso na garganta. Catarse. Imaginem um gestor que recebe críticas durante dois anos e hoje colhe alguns frutos de sua colheita. Mesmo não tendo lucro imediato, como se o que ganha dá apenas para pagar as contas. É aliviador. 
Com Toquinho, Vinícius de Moraes compõe a canção “A Tonga da Mironga do Cabuletê” para apresentá-la no Teatro Castro Alves. Era a oportunidade de xingar os militares em 1970 sem que eles compreendessem a ofensa. E o poeta ainda se divertia com tudo isso: “Te garanto que na Escola Superior de Guerra não tem um milico que saiba falar nagô”.
Não é para o prefeito ir cantar ou xingar os adversários na língua do “P”, de PT, no Teatro Rubem Braga (se bem que seria impagável). Mas, os críticos de hoje interpretam a pesquisa, ou qualquer movimento de Casteglione, até em hebraico para comer as vogais e dar consonância apenas no que lhes interessa. Mas isso é outro caso.
Neste, que antes era trágico e agora cômico, é, sem dúvida, uma condição lacaniana. Quando o prefeito se depara com a fantasia que sustenta sua neurose (de que tem que ser um ótimo gestor, ou de que deve ser o bem amado, ou ainda vai ser o melhor político que já passou pela cidade) e vê que nada disso é realidade plausível ou mensurável dá conta de que é humano e dentro de seus limites está fazendo algo acontecer. Se sente aliviado. “Graças a Deus!”, é óbvio que deve ser a primeira frase que lhe veio à cabeça.
O que acontece nesses casos é que, supondo seja a pessoa por trás da cadeira do executivo, ou de qualquer outra situação neurótica parecida é comum a pessoa dizer: “eu estava sofrendo há tanto tempo só por causa disso”? Tem um tom irônico no fim das contas. Ela ri das suas pretensões, do seu superego, da sua voluntária escravidão.
Conforme o jornal, de 2010 até agora, a avaliação positiva da prefeitura cresceu 12,3 pontos. Há dois anos o índice era de 16,4%, contra 23,8% do ano passado.
A reprovação da gestão caiu 15,1 pontos, de 37,3% em 2010 para 22,2% neste ano. Em 2011, a avaliação negativa foi de 29,2%. Para 47%, a administração é considerada regular.
A condição atual de Carlos Casteglione está longe de ser apenas pessoal. É coletiva. O PT de Cachoeiro está em festa. Com cautela, é lógico. Os petistas são um ponto à parte. Diferenciados dos demais militantes de outras siglas.
Completo com o que disse a psicanalista Maria Rita Kelh sobre o MST. No mesmo sentido entendo os petistas: “eles distinguem o que é o problema deles, que é sua situação de classe. (...) Parece que o valor das pessoas não depende tanto de se fazerem amar ou desejar pelo outro; está mais ligado à sua relação com o ideal que norteia a militância. O que também é problemático, claro, mas é interessante encontrar uma formação subjetiva um pouco diferente”.
Estar na situação é bem diferente de ocupar a oposição. Papel muito bem desempenhado pela esquerda brasileira até a ascensão dos trabalhadores e seus coligados ao poder. Ser pedra é fácil. Difícil é ser vidraça. 

* Roney Argeu Moraes é psicanalista, jornalista, bacharel em Teologia, mestre em Filosofia da Religião e doutorando em Psicologia Pastoral.

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