"A medicina cria pessoas doentes, a matemática, pessoas tristes, e a teologia, pecadores", Martinho Lutero.
por Roney Argeu Moraes *
Sem
dúvida nenhuma, a reforma protestante foi um dos maiores acontecimentos do
século XVI e até hoje causa controvérsia e adeptos das doutrinas que surgiram
após a revolução cristã. Quanto à alguns pontos no texto “Reforma, Teologia e
Ética Social”, gostaria de destacar as principais como fonte de discussão. “A
renovação da fé se caracterizou pelo caráter não mediado e pessoal da relação
da pessoa com Deus, que conduz a um compromisso integral e integrador”. Ora, se
fosse assim mesmo, a figura do Pastor não seria necessária. Ela que dá ao fiel
o “norte” que ele precisa para encontrar o caminho que leva a Deus.
“A
renovação da teologia se caracterizou pela desvinculação da hierarquia e
doutrina eclesiásticas e aproximação com os saberes não-teológicos”. Outra
questão que gostaria de abordar de forma simples. Não há como realizar estudos
teológicos sem que nos apeguemos, além da Bíblia é claro, da tradição
apostólica. Nos primórdios do cristianismo o conhecimento foi transmitido
oralmente. Apenas o Antigo Testamento (Torah) era utilizado pelos cristãos. E
grandes teólogos como Agostinho de Hipona (Santo Agostinho) utilizaram de
saberes filosóficos para enriquecerem ainda mais a doutrina da fé.
De
fato, a grande contribuição da reforma foi realmente “a renovação da ética
social que se caracterizou por sua vinculação à teologia e sua noção da
separação entre governo espiritual e governo temporal”. Hoje o Estado é laico.
Isso graças à reforma.
O
constante movimento de transformação dos “protestantes” resume-se, em alguns
casos, em interpretação incoerente das sagradas escrituras. Vemos como exemplo
a “Teologia da Prosperidade” encabeçada por principais denominações
neo-pentecostais que buscam o lucro e o enriquecimento como recompensa divina.
Parecido com o caso das indulgências que Martinho Lutero tanto debateu em sua
época.
Com
relação ao próprio contexto de onde surgiu o protestantismo, este sempre foi
ambíguo. Teve uma relação de amor e ódio. É de se dizer que tanto os
reformadores, quanto os renascentistas aproveitaram a ocasião, mas fora das
trincheiras contra o poder papal da época não se toleravam. Por uma simples
razão: a reforma é o retorno da tradição primária cristã, já os renascentistas
queriam também o retorno, mas da antiguidade clássica, o que trouxe um choque
entre os “aliados” anti-católicos. Como a arte renascentista priorizava os deuses
greco-romanos, os protestantes foram além, contrariando assim o que queriam de
fato os reformadores: o respeito aos mártires da igreja, principalmente Maria,
mãe de Jesus.
Um
grupo de teólogos luteranos (protestantes) da Alemanha Oriental publicou um
texto denominado "Manifesto de Dresden", na revista "Spiritus
Domini", número 5, em maio de 1982. Eis alguns trechos:
“Em
Lourdes, em Fátima e em outros santuários marianos, a crítica imparcial se
encontra diante de fatos sobrenaturais, que tem relação direta com a Virgem
Maria, seja mediante as aparições, seja por causa das graças milagrosas
solicitadas pela sua intercessão. Estes fatos são tais que desafiam toda a
explicação natural.
Sabemos
ou deveríamos saber que as curas de Lourdes e Fátima são examinadas com elevado
rigor científico por médicos católicos e não-católicos. Conhecemos a praxe da
Igreja Católica, que deixa transcorrer vários anos antes de declarar alguma
cura milagrosa. Até hoje, 1200 curas ocorridas em Lourdes foram pelos médicos
consideradas cientificamente inexplicáveis. Todavia a Igreja Católica só
declarou milagrosas 44 delas. Nos últimos 30 anos, 11000 médicos passaram por
Lourdes. Todos os médicos, qualquer que seja a sua religião ou posição
científica, tem livre acesso ao "Bureau des Constatations Medicales".
Por conseguinte, uma cura milagrosa é cercada das maiores garantias possíveis.
Qual
é, pois, o sentido profundo destes milagres no plano de Deus? Bem parece que
Deus quer dar uma resposta irrefutável à incredulidade dos nossos dias. Como
poderá um incrédulo continuar a viver de boa fé na sua incredulidade diante de
tais fatos? E também nós, cristãos-evangélicos, podemos ainda, em virtude de
preconceitos, passar ao lado destes fatos sem nos aplicarmos a um atento exame?
Uma tal atitude não implicaria grave responsabilidade para nós? Por que um
cristão evangélico pode ter o direito de ignorar tais realidades pelo fato de
se apresentarem na Igreja Católica e não na sua comunidade religiosa? Tais
fatos não deveriam, ao contrário, levar-nos a restaurar a figura da mãe de Deus
na Igreja Evangélica?
Somente
Deus pode permitir que Maria se dirija ao mundo, através de aparições... No seu
Magnificat, Maria declara que todas as gerações a proclamarão bem-aventurada
até o fim dos tempos. Todos nós verificamos que esta profecia se cumpre na
Igreja Católica e, nestes tempos dolorosos, com intensidade sem precedentes. Na
Igreja Evangélica, tal profecia caiu em tão grande esquecimento que
dificilmente se encontra algum vestígio da mesma. Ainda uma vez estas reflexões
nos impõe o dever de examinar os fatos acima citados e de tirar dos mesmos
todas as conclusões pertinentes."
De
acordo com a escritora protestante M. Basilea Schlink, autora da obra “Maria, o
caminho da mãe do Senhor”, ao escrever este livro, faz o que pode a fim de que
a Mãe de Jesus Cristo seja novamente amada e honrada como lhe compete, segundo
as palavras da Sagrada Escritura e conforme recomenda o reformador, Martinho
Lutero. Ela é alemã e fundadora da Irmandade Evangélica de Maria.
“Não
há honra, nem beatitude, que se aproxime sequer, por sua elevação, da
incomparável prerrogativa, superior a todas as outras, de ser a única pessoa
humana que teve um Filho em comum com o Pai Celeste" — Martinho Lutero,
"Deutsche Schriften, 14, 250”.
"Não
podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem reconhecer ao mesmo
tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao escolhê-la para Mãe
de Deus." — Calvino, "Comm. Sur l’Harm. Evang., 20".
"Ser
Mãe de Deus é uma prerrogativa tão alta, coisa tão imensa, que supera todo e
qualquer intelecto. Daí lhe advém toda a honra e a alegria e isso faz com que
ela seja uma única pessoa em todo o mundo, superior a quantas existiam e que
não tem igual na excelência de ter com o Pai Celeste um filhinho comum. Nestas
palavras, portanto, está contida toda a honra de Maria. Ninguém poderia pregar
em seu louvor coisas mais magníficas, mesmo que possuísse tantas línguas
quantas são na terra as flores e folhas nos campos, nos céus as estrelas e no
mar os grãos de areia." — Martinho Lutero.
Por esses depoimentos, dos “pais” da reforma, acredito
que o protestantismo adquiriu novos rumos fora do que foi inicialmente
proposto. A relação pessoal com Deus, por exemplo, é um caminho a ser seguido
com toda certeza, mas temos que tomar cuidado com os falsos pastores, falsos
profetas, falsos padres que usam a Palavra para se beneficiarem financeira e
moralmente perante a sociedade.
Por
fim, que seja necessário a utilização da teologia para discutir tais temas, em
diálogos públicos e éticos a fim de contextualizar as questões que hoje são
pertinentes à humanidade. Pois fazer teologia é inserir um olhar teológico nas
mais variadas questões (política, sociedade, escola, segurança, etc.) sob a
perspectiva de que mais questionamentos surjam para que, inevitavelmente, as
soluções apareçam, nem que sejam separadas do tema “Reforma, Teologia e Ética
Social”, como acredito fielmente que os três são somatizadores, mas podem ter
propósitos separadamente. * Roney Argeu Moraes é psicanalista, jornalista, e teólogo, mestre em Filosofia da Religião pelo Instituto Teológico Gamaliel (ITG), membro da Associação Brasileira de Filosofia e Psicanálise (Abrafp) e doutorando