domingo, 29 de abril de 2012

Dos laços sociais à neurose



“O preço pago para que o sujeito possa viver nos laços sociais é a neurose”.

por Roney Moraes*

Há tempos venho tentando refletir sobre a relação entre a psicanálise e a escola. Conversando com uma psicóloga, que não gosta de Freud por ele, segundo ela, não primar pela coletividade, resolvi então me entreter e atrever a explicar o motivo pelo qual Freud tem essa relação “disfuncional” com o coletivo. Começo pela educação, porque depois da família, a escola é o primeiro grupo social que temos o contato importante para que aprendamos a interagir com pessoas, a conhecer novos comportamentos e a respeitar uns aos outros.  Pois bem é um laboratório de inclusão social.
Freud fala sobre educação de forma relevante. Isso porque seus estudos sobre a neurose o conduziram a um beco sem saída: a contradição entre pulsões sexuais e civilização. Era disso que a psicóloga falava quando criticava a análise freudiana. Mas eu, particularmente, acho a mais coerente em se tratando de definição estruturação do impulso.
“Encontramos a educação operando esta relação, voltada para a inscrição social do sujeito na cultura, na civilização através do recalque das forças pulsionais enquanto anárquicas e destrutivas”, segundo observações analíticas freudianas.
De acordo com o estudo sobre a educação e subjetividade, a escola socializa em função de um recalque. Inicialmente para Freud, o recalque é produtor da neurose. O recalque é produto da educação. Desse modo não há como não olhar para a educação, na medida em que esta opera a passagem da natureza pulsional para a cultura introduzindo a renúncia pulsional. Diante disso há a neurose.
A renúncia ao gozo pulsional é produtora da civilização, da cultura. O preço pago para que o sujeito possa viver nos laços sociais é a neurose. Lógico.  O agente cultural é aquele que sofre. E como diria o poeta “chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. Temos, então, de pronto um impasse, pois não é possível para o homem viver fora dos laços sociais. Para isso ele tem que encarar a neurose.
Conforme o texto, atualmente ainda encontramos esta ideia simplificaria para tratar do sofrimento humano; o clichê popularizado da psicanálise de que a eliminação do recalque oferece felicidade ao ser humano. A leitura apressada destas ideias de Freud inspirou os trabalhos de Reich e Marcuse, dirigindo-os para a busca de uma sociedade sem recalques.
As renovações educacionais também se alimentam desta relação (pulsão x civilização). Em nome dela a escola busca “não reprimir” e deixar a criança livre para se “desenvolver”. Ocorre que, se a educação não recalca, não exerce sua função de socializar o humano. Se as pulsões sexuais anárquicas não forem reprimidas a barbárie se instala e os laços sociais se desfazem.
A partir daí começa uma nova reflexão multidisciplinar para conter o descontrole e, ao contrário de apurações apressadas, a psicanálise apresenta-se como um discurso que interage e tenciona com os demais discursos presentes em nossa sociedade, em campos tão variados quanto os da educação, além de outros.
Foi a própria psicanálise que originou a questão, e, por isso, deve ser levada em consideração quando o assunto for tratado por especialistas educacionais. Sem conhecer essa relação pulsional, esses mesmos profissionais da área pedagógica estão fadados ao fracasso.  
A escola é orientadora de consciências ou retrato de uma sociedade doente e sem referenciais? Podemos nos conformar com uma escola totalmente desprovida de autoridade?
Quanto mais fracas as instituições vão se tornando (entre elas, a escola), mais a sociedade caminha por "escapismos" sem rumos e direção. A utilização de entorpecentes é uma forma de “escapismo”, que, infelizmente, é uma realidade na maioria das escolas, principalmente, das áreas periféricas. Mas isso é assunto para outra hora.

*Psicanalista, jornalista e teólogo