“A
crônica tem uma característica diferente, ela é imediatista. Somos ligados às
coisas imediatas. Atuamos diante das coisas presentes”.
por Roney Moraes*
Durante
a primeira Bienal Rubem Braga, realizada no ano de 2006 em Cachoeiro de
Itapemirim (evento literário hoje consolidado como o mais importante da região
sul do Espírito Santo) tive a oportunidade de conversar com o cronista, poeta e
professor Adriano Spínola, no Teatro Municipal. Essa é uma das finalidades da Bienal colocar
frente a frente o escritor/ palestrante com o leitor/expectador. Contato, na
maioria das vezes, quase impensável para ambos. O que realmente fascina na
feira literária é, sem dúvida, essa proximidade.
Spínola
proferiu uma palestra intitulada “A Crônica Contemporânea”. Eu, na época, já
arranhava meus devaneios literários em publicações dos jornais locais. Aliás,
desde 1998, diga-se de passagem. Foi na Bienal Rubem Braga que, outro grande
nome da literatura brasileira, Afonso Romano de Sant’Anna, após autografar meu
exemplar da obra “A sedução da palavra”, me disse para criar um blog como meio
mais rápido e fácil para publicar meus textos. Até então detinha a emplacar os
artigos somente no jornal impresso sem enxergar a verdadeira revolução que
estava a minha frente: as novas mídias e ferramentas da internet para
divulgação dos trabalhos. Hoje, nem se fala, se passar batido um arroubo
criativo no Twitter ou Facebook eu fico para morrer!
Por
isso tenho certeza de que a evolução do gênero ‘crônica’ é capaz de acompanhar
a velocidade tecnológica, pois “só o brasileiro é capaz de dar dribles
desconcertantes no futebol e na escrita”.
A
palavra crônica vem do latim chronica, que significava, no início da era
cristã, o relato de acontecimentos em ordem cronológica. No século XIX, com o
desenvolvimento da imprensa, essa modalidade de escrita passou a fazer parte
dos jornais. Ela apareceu pela primeira vez em 1799, no Journal de Débats,
publicado em Paris.
Essa
prática foi trazida para o Brasil na segunda metade do século XIX e era muito
parecida com os textos publicados nos jornais franceses. José de Alencar foi um
dos escritores brasileiros a produzir esse tipo de texto nesse período.
A
crônica brasileira foi, gradualmente, distanciando-se daquela originada na Europa.
Ela passou a ter um caráter mais literário, fazendo uso de linguagem mais leve
e envolvendo poesia, lirismo e fantasia.
A
crônica contemporânea tem uma identidade plural e é sincrônica. Plural porque
ela hoje tem várias formas, apesar de perseguir aqueles modelos estabelecidos
por Machado de Assis, Rubem Braga, Carlos Drumond Andrade, Paulo Mendes Campos
e outros, e,ainda, continua muito presente na vida nacional.
Hoje,
todo jornal, toda revista têm os seus cronistas que comentam os fatos políticos
ou, então, recriam aspectos do cotidiano. Agora ela é sincrônica no sentido de
que traduz uma simultaneidade, ou uma síntese não só atemporal, como espacial.
A
forma de retratar a realidade por meio da escrita não está mais ligada apenas
aos fatos do cotidiano. Spínola exemplificou dizendo que: “como a gente
verifica por aí, Luiz Fernando Veríssimo de repente fala do século IXX e não
está mais ligado a um só espaço ou a uma cidade, mas a vários lugares”. As
crônicas atuais são as mais sintomáticas nesse sentido, porque através da
internet dizemos o que sentimos sobre o mundo.
As
novas tecnologias, por exemplo, estão dando essa percepção simultânea do mundo,
das coisas. E isso está fazendo com que o cronista não se sinta mais habitando
apenas uma cidade, mas da cidade transportou-se para o mundo. Então ele fala de
algo acontecido na esquina e de repente pode falar de algo acontecido na China.
Quando
questionei a diferença entre crônica jornalística e crônica literária, Adriano,
de pronto, respondeu: “a crônica literária, evidentemente, tem uma recriação da
linguagem mais conotativa. Possibilita várias interpretações, enquanto que a
crônica jornalística se associa mais a um comentário. Vamos dizer que ela é
unidimensional, ou ‘monosemântica’ (sic) que possibilita uma só interpretação”.
Em
sua palestra, Spínola afirmava que a crônica é o gênero literário mais
importante do Brasil por vários motivos: a capacidade de improviso, o
temperamento anárquico, a carnavalização, a plasticidade intelectual do homem
brasileiro, e outras.
Para
nós vale muito mais a imaginação recriadora dos fatos. A crônica tem uma
característica diferente, ela é imediatista. Somos ligados às coisas imediatas.
Atuamos diante das coisas presentes. Nenhum povo consegue ter escritores com
esse grau de liberdade, beirando até a irresponsabilidade. Muitas vezes o
cronista deixa para escrever sua crônica na última hora, como já fiz várias
vezes. Isso não aconteceria, jamais, em outros países.
*Psicanalista, jornalista e
teólogo