"Ria da dor, do mundo, de si mesmo, ria de tudo, amigo,
ria a esmo, que o riso é vida na existência humana...”, Michel Antônio
Senhor presidente da Academia
Cachoeirense de Letras, demais membros da diretoria, acadêmicos e acadêmicas,
agora, após essa linda solenidade, confrades e confreiras, autoridades aqui
presentes, minha família, caros amigos, meus senhores, minhas senhoras...
Tradicionalmente, os novos
empossados na Academia devem homenagear os patronos e os imortais que os
antecederam. Não sou bom em discurso, prefiro a prosa, mas, quis o destino que
ocupasse a cadeira de N° 40, onde dois importantes poetas capixabas deixaram
seu legado em versos.
É uma grande honra pertencer à
entidade que este ano completa seu jubileu de ouro. Falar do patrono João
Belisário Vieira da Cunha, um desbravador do jornalismo cachoeirense, é tão especial
quanto viver esse momento histórico comemorativo dos 50 anos da Academia
Cachoeirense de Letras. Além de jornalista, Belisário foi poeta simbolista dos
bons. Dirigiu o jornal "O Cachoeirano" e foi redator de "O
Progresso", ambos de Cachoeiro de Itapemirim.
Aqui em meio ao discurso, começam
as coincidências, que para mim fazem parte do destino. Permito-me falar um
pouco do jornal histórico, “O Cachoeirano” que foi um arauto da propaganda
republicana desde o século XIX na então província do Espírito Santo fez-se
lentamente e avançou até o fim da década de 1880, poucos anos antecedentes ao
nascimento de João Belisário, que tem sua data natalícia em 08 de março de
1885.
Antes de pertencer à redação de
“O Cachoeirano” este periódico teve como divisor de águas a Abolição e no sul
do estado encontrou adesão e simpatia entre aqueles indivíduos para os quais o
governo imperial já não interessava mais. Isso enche-me de orgulho, afinal sou
negro e tenho aqui a oportunidade falar sobre pessoas que lutaram pela
libertação dos escravos. A partir de 29 de julho de 1888, Bernardo Horta (farmacêutico,
político, jornalista e maçon), acima de tudo, uma figura lendária, passa a ser
um de seus redatores.
Cachoeiro de Itapemirim torna-se,
então, um pólo de irradiação das ideias republicanas e abolicionistas e, diante
da ação de seus republicanos, segue-se a formação de vários clubes partidários,
a esses ideais, em diversas localidades do sul da província.
Esses foram os primeiros passos
para chegar ao legado de João Belisário, que anos mais tarde, torna-se, como
havia dito, diretor deste mesmo jornal.
A história do jornalista e poeta
João Belisário se confunde com a minha neste sentido. Nasceu junto do histórico “O Cachoeirano” e,
inclusive, para, no início do século XX, dirigi-lo. Merecidamente é o patrono
na cadeira de N° 40 da Academia Cachoeirense de Letras (ACL).
A emoção não me falta e confirmo
o que sinto neste momento, quando o destino não me deixa desamparado. Aqui
também fiz parte da primeira equipe jornalística desbravadora que inovou com a
redação e publicação diária, coisa que, no fim da década de 1990 muitos acharam
impossível um periódico diário no sul do estado. Nós acreditamos, tanto que
hoje vemos três jornais diários galgando frutos e formando, nas redações,
escritores de calibre para receber a honraria de pertencer à Academia
Cachoeirense de Letras.
João Belisário nasceu em Santa Teresa de Valença,
no Estado do Rio de Janeiro. Filho de Belisário Vieira da Cunha. Muito moço veio
com a família para a nossa “Atenas Capixaba”. Por ironia do destino, depois que
nasci em Cachoeiro fui com meus pais, Oswaldo de Souza Moraes e Celedyr Argeu
Moraes para uma cidade também chamada Santa Tereza. Colônia alemã localizada pouco
depois de Vitória. Apesar de não deixar livros editados, o patrono da cadeira
n° 40 compôs um verso que, como psicanalista, me permitam ler apenas um trecho:
LOUCURA DA SAUDADE
“(...) de um sonho
tal, amargurado e triste,
da tristeza dos
últimos delírios,
na dor suprema a que
ninguém resiste”.
João Belisário foi secretário do
Colégio Diocesano de Cachoeiro e mais tarde fez parte do corpo docente do
Externato Santo Inácio, no Rio de Janeiro. Faleceu em 08 de agosto 1929, no Rio
de Janeiro. Outra coincidência, pois exerço também o magistério e galgo nos
estudos em teologia.
Michel Antônio
Ainda que quisesse acabar as
homenagens e paralelos entre os ocupantes da cadeira N° 40 da Academia
Cachoeirense de Letras, não conseguiria. Pois o último ocupante, Michel
Antônio, apesar de triste, tem a maior de todas as coincidências que poderia um
pretendente à Academia sonhar que seria possível: a data da vaga. Ele, como eu,
também foi colaborador de vários jornais. Antes de falar sobre este assunto
quero render todas as minhas homenagens a quem o conheceu e a seus familiares e
dizer que é uma grande honra estar aqui neste momento falando sobre o último
ocupante desta cadeira, na qual serei também imortalizado junto aos dois
poetas.
Michel Antônio nasceu em Irupi,
quando este ainda era um distrito de Iúna, em 29 de agosto de 1939, filho de
Rosa Manssor Ammar e de Jorge Antônio. Cultivava principalmente o soneto, era
rara inspiração, ainda nos moldes parnasianos. Foi o idealizador dos Jogos
Florais de Alegre. Era membro da União Brasileira de Trovadores, da Academia Cachoeirense
de Letras e outras entidades. Patrono da cadeira n. 25 da Academia de Letras de
Iuna. Deixou inéditos "Caminhos Trilhados", "Farfalhos" e
"Noites de Insônia".
Suas obras completas foram: "Saudades de outrora"
e "Flores e espinhos" – poesias de 1958.
Em outubro do ano passado, a
Academia Iunense de Letras recebeu na sede da Casa da Cultura, a esposa do
poeta imortal, Zilda Vallim Antônio, para lançamento do livro “Poesias Completas”,
volume I e II. Foi uma bela homenagem.
O último ocupante da cadeira 40
da Academia Cachoeirense de Letras é considerado um dos melhores poetas do
Brasil, segundo escritores capixabas. Além disso, foi músico e amante dos
esportes.
O comerciante Michel Antônio,
nome que recebeu em homenagem ao tio avô, foi um dos mais emocionados no
lançamento do livro, ao ver a história da família sendo contada... E hoje, não
poderia ser diferente.
A esposa, ao falar da importância
de trazer à tona as obras de Michel Antônio, ressaltou que a poesia é o
alimento da alma e incentivar um jovem a apreciar poesias é ajudá-lo a
compreender que o homem “é dotado de inteligência e é humano”.
As homenagens a Michel Antônio
ultrapassam as fronteiras. Já com os trâmites em andamento, o poeta também é o
patrono da cadeira n° 19 da Academia Alegrense de Letras.
Em Pequiá onde residiu
durante onze anos, ajudou a fundar uma banda de música e dela fazia parte como
clarinetista... Gostava de escrever. E que ironia... Foi correspondente e
colaborador dos jornais: "A Ordem", "O Norte Fluminense" e
"O Arauto", de São José do Calçado, Bom Jesus do Itabapoana e
Cachoeiro de Itapemirim, respectivamente.
Escolhi dois trechos de versos de
Michel Antônio que me fazem lembrar dos motivos pelos quais me ingresso hoje
nesta venerável entidade. Um, me chama a atenção a angústia e a outra a ironia.
Dois temas que utilizo quase que cotidianamente em minhas crônicas:
ANGÚSTIA DE POETA
“Tantos versos trago
aqui comigo!
E os melhores, talvez,
os mais bonitos,
São justamente esses
que eu não digo.
Falta-me a perfeição para dize-los...
Como seria bom, se eu
os visse escritos!
Ah! Se eu pudesse, um
dia transcrevê-los...”
SUPREMA IRONIA
Ria sem pejo, sem temor, sem pausa,
Sorria sempre, sem razão, sem causa,
Que o riso, amigo, ao próprio riso engana!”
Volto ao que considero a maior de
todas as coincidências. Quis o destino que eu ocupasse a cadeira de João
Belisário e Michel Antônio. Este último viveu grande parte de sua vida em
Alegre, onde faleceu em 07 de outubro 1976, como funcionário público
aposentado. Ano de meu nascimento. Portanto, termino minhas homenagens aos
patronos imortais dizendo que, se não existem coincidências, o destino faz com
que as portas sejam abertas no momento e na hora certa, e a cadeira de N° 40
ficou esperando 36 anos para ser preenchida por uma pessoa que nasceu no ano em
que a deixava seu último ocupante.
E como o próprio Michel Antônio
em verso disse, perpetuo agora suas alegrias mais uma vez na SUPREMA IRONIA: (...) Ria da dor, do
mundo, de si mesmo,
Ria de tudo, amigo, ria a esmo, Que o riso é vida na
existência humana...”.
Quero agradecer primeiramente a
Deus, a meus pais, minha esposa, que honra todos os dias o compromisso que
fizemos em ajudar um ao outro nos momentos de tristeza e agora na alegria
também, a meus irmãos, tios, primos e amigos que vieram prestigiar o evento,
enfim, a todos os acadêmicos por esta belíssima sessão solene e dizer, mais uma
vez, que estou honrado e emocionado em pertencer à Academia Cachoeirense de
Letras, graças ao pioneirismo (simbolizado por João Belisário) e pela fina
ironia entoada nos versos de Michel Antônio. Muito obrigado.