segunda-feira, 4 de março de 2013

Menina de rua




“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”, Martin Luther King.

por Roney Moraes*

Após passar um fim de semana em retiro no curso da Pastoral da Sobriedade, na segunda-feira acordei cedo, praticamente de madrugada, para acompanhar minha esposa até o ônibus que a deixa em frente à escola que trabalha. Em casa, o sono já tinha me abandonado bem cedinho, ligo a televisão e num canal religioso um homem conta sua experiência com uma menina de rua. Comecei a escutá-lo, sem dar muita atenção e aos poucos fui envolvido com a trama, ou drama, que o rapaz se viu cercado.

O negócio é o seguinte, ele estava em uma rua movimentada quando uma menina, de aproximadamente 12 anos, pediu-lhe dinheiro para comprar leite. Ora, eu cá com meus botões, isso é comum pessoas utilizarem crianças para arrecadarem moedas para fins duvidosos. Estava enganado. Apressado, o homem ofereceu a ela cinco reais e a menina disse:

- Não quero dinheiro. O senhor pode vir comigo comprar o leite? É para minha irmã!
O homem, apressado, hesitou, mas seguiu a menina até um supermercado próximo. Pegou uma cesta e, enquanto caminhava pelos corredores confusos a fim de avistar logo a prateleira de leite sentiu um peso no cesto. Quando olhou para baixo tinha um pacote de feijão. Ele sorriu sem graça, mas relevou. Logo em seguida, o cesto havia ficado ainda mais pesado e garota disparou:

- Feijão sem arroz não dá, né?

A essa “altura do campeonato” ele não se importou. E o cesto ia enchendo... Óleo, farinha, balas... Finalmente avistaram o local em que as caixas de leite ficam empilhadas. Quando o moço foi pegar a menina interrompeu.

- Não é esse. Ele vem numa latinha. Tem que ser especial porque ela é doente.

- Quantos anos tem sua irmã?

- Seis meses.

O homem parou... Pensou uns minutos. Pediu para que a menina o aguardasse. Atravessou a rua e na farmácia encontrou o leite em pó para bebês. Voltou e juntou aos pacotes com as compras.

- Tudo bem agora?

- Posso te pedir mais uma coisinha?

- O que você quer?

- A passagem.

O homem, que já tinha feito tudo que a menina desejava, até esqueceu o tempo, a correria e tirou novamente a carteira. Antes disso ainda perguntou:

- Onde você mora? Quer ir de ônibus ou de taxi para casa?

- Moro longe, moço, mas posso ir de ônibus mesmo. Só tenho que pagar duas passagens.

Como na cidade não há terminal rodoviário, o senhor abriu a carteira olhou, coçou a cabeça e abriu o zíper no compartimento interno para contar as moedas.

-Pronto. Aqui estão. Duas passagens. Olha, menina, você me deixou sem nenhum dinheiro.

- Não tem problema, tio. Deus vai lhe dar em dobro. Tchau!

E com sorriso no rosto a menina ia carregando as sacolas, pacotes e o saquinho de balas que misturou no meio das compras. O homem, que ainda estava atônito, percebeu o que havia acontecido. Ele estava no lugar, na hora e com a quantia certa que a menina precisava para quase um mês de alimento para ela e sua irmã.

Não passou muito tempo e o homem foi realmente recompensado. Hoje ele conta essa história que comove as pessoas e as transforma, além de ser bem sucedido em sua comunidade e também no trabalho.

Quando o ouvi contar essa história pensei em quantas vezes deixei de ajudar quem realmente necessitava por preconceito ou por simplesmente não dar a mínima. Hoje me importo e descobri que sempre me importei. Fico indignado com as injustiças e uma frase que está gravada nas costas da camisa da Pastoral da Sobriedade me veio, na hora, como um estalo:

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”, Martin Luther King.
E que bom que neste dia, os males do mundo (a correria, o estresse, a impaciência e o preconceito) não silenciaram um gesto, que acabou numa cesta cheia de bondade.

*Psicanalista, professor, jornalista e articulista membro da ACL.