sexta-feira, 1 de março de 2013

O profissional do afeto nos hospitais




“O estado proíbe ao indivíduo a prática de atos infratores, não porque deseje abolí-los, mas sim porque quer monopolizá-los”, Freud.

por Roney Moraes*

Em meio à polêmica sobre protestos de psicólogos, estudantes, Ministério Público e até de profissionais dirigentes, os pacientes da Clínica Psiquiátrica Santa Isabel de Cachoeiro de Itapemirim-ES vivem hoje a pior tortura possível fora dos muros da instituição. O descredenciamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Uma das queixas é de falta de profissionais técnicos para atuarem com os internos. Por isso, venho aqui propor uma reflexão. Quais e quantos profissionais são necessários para atuarem em um hospital que cuida de doentes mentais e também de dependentes químicos?

É verdade que com as novas políticas de implantação dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) os Hospitais viraram alvo de protestos. Hoje, no meu ponto de vista, o problema não seria resolvido com o fechamento, mas sim com a adequação aos novos programas, como, por exemplo, ao do Capaac (Centro de Atendimento Psiquiátrico Dr Aristides) que é exemplo no Brasil, tanto no tratamento quanto no período de internação, que gira em torno entre 15 a 30 dias.

Por que não incluir a psicanálise nos hospitais? Há especialistas que são tão ou mais capacitados para tratarem das doenças mentais como outros profissionais psi. Recrutando psicanalistas, um dos inúmeros problemas dos queixosos seria resolvido. Em 2009 uma denúncia no MP disse que faltam pessoas para tratarem os mais de 400 pacientes. A psicanálise é o método de tratamento que tem sua melhor aplicação em certos tipos de neurose, portanto, sua utilização se faz necessária também nos hospitais públicos, filantrópicos e privados.

O terapeuta Wagner Paulon questiona “o que pode um psicanalista fazer de útil se estiver trabalhando num hospital psiquiátrico ou somático, confrontando com várias centenas de pacientes cujas condições são geralmente inadequadas para seu método de tratamento? Que contribuição pode prestar à terapia e ao tratamento?”.

Temos que levar em consideração os atuais métodos de tratamento, como as várias drogas tranquilizantes e antidepressivas. Estas são apenas medidas sintomáticas. Não combatem as causas do funcionamento mental anormal, mas apenas mantêm sob controle as manifestações clínicas mais perturbadoras.

Isto implica que estas medidas físicas só podem ser encerradas como um dos aspectos de abordagem terapêutica. Outras considerações devem ser levadas em conta quando se planeja o tratamento de um paciente. É aqui que a psicanálise e o psicanalista têm um papel a desempenhar.

Cada caso é um caso e cada paciente, mesmo estando em ambiente hospitalar com vários outros doentes mentais, deve ser tratado individualmente, pelo menos observado pela equipe multidisciplinar e o psicanalista pode contribuir muito ingressando na equipe, pois, diferente dos outros, geralmente carrega uma bagagem diferenciada em sua vivência. A ocupação de psicanalista é concedida por meio de dois anos de estudo, com estágio e análise do próprio candidato a analista e, ainda, as escolas aceitam apenas indivíduos com formação superior em qualquer outra área.

“A clínica psicanalítica consagrada enquanto uma prática realizada nos consultórios tem no verbo clinicar o seu paradoxo: significa atendimento na beira do leito. Freud era médico e, ao iniciar suas primeiras experiências de investigação sobre o psiquismo com as histéricas, demonstrou o quanto o hospital pode revelar-se como um espaço fértil para se observar o sujeito humano diante do que mais o atinge: sua fragilidade psíquica acometida por um acontecimento somático que se inscreverá irremediavelmente no campo da fala e da linguagem”, segundo Valéria de Araújo Elias.

Um bom motivo para ter um psicanalista atuando em frentes de tratamento ambulatoriais e hospitalares. Porque não se aprende psicanálise estudando um período, mas sim, com dois ou mais anos de aprofundamento e análise constante. E, para finalizar ou iniciar o discurso, já que falam tanto em maus tratos e abando nos hospitais, quem melhor para entender de 'afetos' do que o psicanalista?

*Psicanalista, jornalista, professor e articulista membro da ACL