"Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou antes; e o que vejo é o que sobrou de tudo o que lhe foi tirado", Betinho.
A redução de desigualdades no Brasil e na América Latina não
levou a redução da violência. O diagnóstico correto seria: menor desigualdade
tende a menos violência. É, na verdade,
um complexo paradoxo.
Atribuir aos menores a culpa pelos altos índices de criminalidade e assim afirmar que a redução da maioridade penal (termo totalmente equivocado, além da ideia em si) seria a solução para todos os problemas sociais e de segurança é um grande engano.
Se formos analisar de perto os índices de criminalidade
vamos notar que o quantitativo para que se mude uma lei federal é ínfima, sem
falar (voltando ao termo) que o correto seria redução da menor idade penal,
pois qual é a maior idade penal? Não seria (contradizendo os dicionários e
pesquisas no google) a idade máxima para o sujeito ter responsabilidade
criminal?
Sobre a interrogação se o homem é produto do meio, creio que
somos influenciados sim por tudo que nos cerca (religião, família, amigos,
cultura...), porém a sociedade não cria o individuo ou molda este de forma
literal, na verdade o comportamento de uma pessoa é que molda uma sociedade, um
grupo social é fruto de comportamentos individuais.
Voltando a questão da grotesca "redução da maioridade
penal" no Brasil, diversas entidades que compõem o Fórum de Psicologia e a
Associação Psicanalítica do Estado do Espírito Santo (Apees) convergem para o
mesmo raciocínio e juntas resgatam o pensamento do sociólogo Herbert de Souza,
o Betinho: "Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a
violentou antes; e o que vejo é o que sobrou de tudo o que lhe foi
tirado".
Estamos, como presidente da Apees, apresentando 10 razões
psicológicas contra a redução da maioridade penal. Poderia dizer mil, porém o
espaço para a edição não permite:
1. A adolescência é uma das fases do desenvolvimento dos
indivíduos e, por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada
pela perspectiva educativa. O desafio da sociedade é educar seus jovens,
permitindo um desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e
social quanto físico;
2.É urgente garantir o tempo social de infância e juventude,
com escola de qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e
vivência de cidadania, que permitirão a construção dos papéis sociais para a
constituição da própria sociedade;
3.A adolescência é momento de passagem da infância para a
vida adulta. A inserção do jovem no mundo adulto prevê, em nossa sociedade,
ações que assegurem este ingresso, de modo a oferecer – lhe as condições
sociais e legais, bem como as capacidades educacionais e emocionais
necessárias. É preciso garantir essas condições para todos os adolescentes;
4.A adolescência é momento importante na construção de um
projeto de vida adulta. Toda atuação da sociedade voltada para esta fase deve
ser guiada pela perspectiva de orientação. Um projeto de vida não se constrói
com segregação e, sim, pela orientação escolar e profissional ao longo da vida
no sistema de educação e trabalho;
5.O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe
responsabilização do adolescente que comete ato infracional com aplicação de
medidas socioeducativas. O ECA não propõe impunidade. É adequado, do ponto de
vista da Psicologia, uma sociedade buscar corrigir a conduta dos seus cidadãos
a partir de uma perspectiva educacional, principalmente em se tratando de
adolescentes;
6.O critério de fixação da maioridade penal é social,
cultural e político, sendo expressão da forma como uma sociedade lida com os
conflitos e questões que caracterizam a juventude; implica a eleição de uma
lógica que pode ser repressiva ou educativa. Os psicólogos sabem que a
repressão não é uma forma adequada de conduta para a constituição de sujeitos
sadios. Reduzir a idade penal reduz a igualdade social e não a violência -
ameaça, não previne, e punição não corrige;
7.As decisões da sociedade, em todos os âmbitos, não devem
jamais desviar a atenção, daqueles que nela vivem, das causas reais de seus
problemas. Uma das causas da violência está na imensa desigualdade social e,
consequentemente, nas péssimas condições de vida a que estão submetidos alguns
cidadãos. O debate sobre a redução da maioridade penal é um recorte dos
problemas sociais brasileiros que reduz e simplifica a questão;
8.A violência não é solucionada pela culpabilização e pela
punição, antes pela ação nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e
econômicas que a produzem. Agir punindo e sem se preocupar em revelar os
mecanismos produtores e mantenedores de violência tem como um de seus efeitos
principais aumentar a violência;
9.Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa.
É encarcerar mais cedo a população pobre jovem, apostando que ela não tem outro
destino ou possibilidade;
10.Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso
com a construção de políticas educativas e de atenção para com a juventude.
Nossa posição é de reforço às políticas públicas que tenham uma adolescência
sadia como meta.