"Ponham algo de si na psicanálise, não se
identifiquem comigo. Tenham seu estilo próprio, pois eu tenho o meu",
Jacques Lacan.
Theodor Reik, amigo de Sigmund Freud, foi acusado de
charlatanismo por exercer a psicanálise sem ter diploma de medicina. Freud
publicou então "A Questão da Análise Leiga", no qual defende que
qualquer pessoa que tenha feito uma formação psicanalítica, e tenha sido
submetida a uma análise própria, é apto para exercer a psicanálise.
Na carta a Pfister, Freud acrescentou ainda: “Não sei se
o senhor adivinhou a ligação secreta entre "A Questão da Análise
Leiga" e "O Futuro de uma Ilusão" (obra em que Freud descreve a
religião como a neurose obsessiva universal da humanidade). Na primeira, quero
proteger a psicanálise dos médicos; na segunda, dos sacerdotes. Quero
entregá-la a uma categoria de curas de alma seculares, que não necessitam ser
médicos e não podem ser sacerdotes.”
Antonio Quinet ressalta que ensino da psicanálise deve
ser pensado a partir da posição de sujeito dividido. Assim como o “analisante”
que elabora o saber inconsciente em sua própria análise, o “ensinante” é um
trabalhador cuja construção de saber é ordenada por aquilo que não sabe, mas
interroga.
Portanto, na psicanálise não há um saber prévio a ser
aplicado em todos os casos, é sempre um a um. Tampouco se transmite o ato
psicanalítico, pois este é sempre uma criação particular, é impossível de ser
generalizado e é muito mais vinculado à ética do que a técnica.
Como Jacques Lacan, em relação a transmissão da
psicanálise, não acredito que ela possa ser ensinada apenas em um estudo
sistemático, mas numa vivência clínica e multicultural, tão complexa
quanto ser humano é. Não somos nossos
comportamentos. Somos infinitamente mais que isso.
A maioria dos psicanalistas tornou-se conservadora por diversas
razões. Os lacanianos não deveriam sê-lo, já que Lacan relançou o pensamento da
rebelião, da contestação. A Internacional Freudiana tornou-se conservadora
porque caiu na repetição do dogma.
“Eles não se renovaram, tornaram-se um movimento
dogmático, centrado sobre a clínica e não sobre a reflexão a respeito da
sociedade e do indivíduo. Além disso, cometeram o erro de dialogar demais com
as ciências duras, ao crer que o debate sobre o cérebro e os neurônios era
essencial”, descreve o pensamento da psicanalista Elizabeth Roudinesco.
Os psicanalistas brasileiros são ecléticos. Com isso se
formou uma psicanálise pegando um pouquinho de Freud, um cadinho de Lacan, uma
pitada de Jung, e por aí foi. Isso funciona porque questiona o dogmatismo. A
desconstrução dogmática traz um novo olhar sobre a clínica.
O que está em jogo na análise por parte do analista é a
capacidade em sustentar um lugar, algo que não é aprendido, mas impulsionado,
se não pelo clássico tripé da formação do analista: a análise pessoal do
aspirante a terapeuta, o ensino teórico e a supervisão clínica, aquilo que
realmente importa: a psicanálise.