“É possível que o
dependente em recuperação esteja extremamente doente mentalmente e ainda assim
possua o desejo de abandonar sua necessidade. Neste caso, a cura, no verdadeiro
sentido da palavra ‘cuidar’, será realizada. Todos os dias”. RM.
Muitos ainda insistem em não reconhecer o trabalho sério
de algumas Comunidades Terapêuticas (CT's) para tratamento de dependentes
químicos. Por isso, e a contragosto de “pequenos
burgueses” enraizados em cargos públicos, os grandes caciques atiram todas as flechas para
cima e algumas acertaram uns alvos narcisistas e estúpidos. Em ano eleitoral já
era de se esperar.
O anúncio de que o Centro de Atenção Psicossocial - Álcool
e outras Drogas (Caps-AD) de Cachoeiro de Itapemirim vai encaminhar pacientes
para comunidades terapêuticas ligadas ao programa da Rede Abraço do Governo do
Estado do Espírito Santo é para ser comemorado como avanço e não retrocesso
como insistem alguns que se dizem “especialistas” no assunto. Está na hora de pensar nas famílias e usuários que precisam de ajuda e não no próprio umbigo.
Se, por um lado, o início de um diálogo representa um
passo à frente, de outro, práticas e preconceitos antigos insistem em
comprometer a construção de uma rede eficaz de assistência biopsicossocial para
usuários crônicos e seus familiares, ao contrário do que vem acontecendo até o
momento. Muitos municípios não cumprem a lei e abandonam seus contribuintes quando
precisam de acolhimento em outra comarca. Esta é a verdade. Nua e crua.
Quem buscava acolhimento nos espaços, que auxiliam na
recuperação da dependência, precisava recorrer ao Centro de Acolhimento na
região metropolitana. De lá ainda eram encaminhados para unidades credenciadas
e que atendem todos os requisitos de acordo com os editais governamentais e as
leis que regem a atuação das unidades comunitárias.
A crítica às CT’s, inclusive de profissionais que atuam
em Caps-AD espalhados pelo país, parte do pressuposto de que, no momento em que
a luta antimanicomial ganha força de alguns setores, acontece o investimento em
vagas para instituições não governamentais que praticam a contenção física,
isolamento e restrição à liberdade do usuário. Na realidade acontece exatamente
o contrário.
As comunidades terapêuticas já fazem parte da Rede
Substitutiva de Atenção à Saúde Mental de caráter transitório, bem como a ampliação
do número de CAPS-AD III e leitos em Hospitais Gerais, dentre outros. Temos sim
que aumentar as opções para a subjetividade da demanda da dependência e não restringi-la
a um único sistema de serviço público que, muitas vezes, não é adequado para
determinada abordagem de tratamento.
Entre outras afirmações infundadas está a de que a
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) promove editais que
destina apenas apoio financeiro a projetos de acolhimento para usuários de
crack, álcool e outras drogas em CT’s. Uma verdadeira falta de conhecimento
sobre o assunto, pois para se ter o apoio é necessário as adequações e cada vez
mais médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e outros
profissionais com nível superior fazem parte da equipe multidisciplinar destas
residências terapêuticas.
Outra falácia é de que os “internos” (sic) são obrigados
a participar de “atividades de cunho religioso” (sic,sic) durante o período de
internação. Neste caso, dois aspectos devem ser levantados: primeiro, já que se
trata de comunidade, nada pode faltar num ambiente para reproduzir uma
realidade alternativa sem, somente, as substâncias psicoativas. Em segundo
lugar há uma infinita diferença entre “atividade de cunho religioso” e
espiritualidade. Momentos de reflexão fazem parte do cotidiano de quase todo
mundo e não poderia ser diferente numa Comunidade Terapêutica.
Analisando pelo prisma da Prevenção à Recaída, a falta de
informação ou educação sobre o tema é um fator de risco para dependência, neste
caso, dogmática sobre a atuação das CT’s. Elas, há décadas, atuam e obtém
resultados infinitamente superiores aos números apresentados pelos programas paliativos
recém nascidos de discursos e hipóteses que, na prática, não possuem eficácia.
Agora, para se fazer justiça, e caminhar pelo bom senso,
mesmo com desespero de uma minoria corporativista que nada sabe ou entenderá a
complexidade de um tratamento para adictos, as Comunidades fazem parte sim da Rede
Substitutiva da Saúde Mental.
Posso dizer com base na CT que atuo como técnico. Todas
as ações, desde o primeiro contato com o dependente encaminhado voluntariamente,
visam reconstruir os laços comunitários e a inserção social dos envolvidos no
programa. Na “Casa Reviver” há articulação com a rede SUS e SUAS dos municípios
de origem dos acolhidos, que muitas vezes, como já havia dito, não cumprem o
dever de assistir seu munícipe.
Além do Projeto Terapêutico geral, cada um tem um
programa individualizado, com a participação do residente e seus familiares. Após
a alta do tratamento (período de seis, podendo ser ampliado ou reduzido), a
equipe técnica formada por psicóloga, enfermeira, assistente social, pedagoga,
psicanalista, terapeuta bioenergético, conselheiros (as) terapêuticos e
voluntários acompanha, durante um ano, o reabilitado e seus laços sociais.
O Caps-AD, agora, além de oferecer somente o atendimento
ambulatorial gratuito a dependentes químicos vai poder encaminhar os casos que
achar necessário para as Comunidades Terapêuticas. E é esta a preocupação. A
avaliação deve despir de preconceitos e Comunidade não é o mesmo que clínica.
Já presenciei muitos encaminhamentos inadequados e que nada contribuem para a
finalidade do projeto, pelo contrário, pode até desestabilizar o processo de
muitos que já estão em reabilitação.
Apesar da unidade
de Cachoeiro de Itapemirim contar com equipe formada por dois psiquiatras, um
clínico geral, dois enfermeiros, três técnicos de enfermagem, uma artesã, duas
assistentes sociais, dois psicólogos, um terapeuta ocupacional e um educador
físico. O paciente pode até passar o dia no local, onde recebe refeições e
medicação e vai para casa apenas com os remédios indicados para tomar à noite e
aos fins de semana.
Por fim, política pública de saúde mental é um processo complexo,
composto de participantes, instituições e forças de diferentes origens que
acontece em diversos territórios. É um conjunto de transformações de práticas,
saberes, valores culturais e sociais, e é no cotidiano da vida das
instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da
política avança, passando por tensões, conflitos e desafios. Aqui não poderia
ser diferente.