"Quando o português chegou debaixo duma bruta
chuva vestiu o índio! Fosse uma manhã de sol o índio tinha despido o
português." - Oswald de Andrade (1890-1968),
poeta e romancista brasileiro.
O autor e poeta brasileiro tem na figura do índio um conceito que carrega consigo toda uma concepção de mundo, um tabu a ser transformado em totem:
ora, ao nosso indígena não falta sequer uma alta
concepção de vida para se opor às
(...) as vigentes que o encontraram e o procuraram submeter. Tenho a impressão
de que isso que os cristãos descobridores apontaram como o máximo de horror e o
máximo de depravação, quero falar da antropofagia, não passava de um alto rito
que trazia em si uma Weltanschauung, ou seja, uma concepção devida e do mundo
(ANDRADE, 1970).
Para ajudar a afirmar a liberdade
"atropofágica" cultural de Andrade, Laraia afirma que já foi o tempo
em que se admitia sistemas culturais lógicos e sistemas culturais
pré-lógicos. "A coerência de um hábito cultural somente pode
ser analisada a partir do sistema a que pertence".
Conforme LAPLANTINE (2003):
acaba o caráter privativo dessas sociedades sem
escrita, sem tecnologia, sem economia, sem religião organizada, sem clero, sem sacerdotes,
sem polícia, sem leis, sem Estado - acrescentar-se-á -no século XX
sem Complexo de Édipo - não constitui uma desvantagem. O selvagem não é quem
pensamos.
Outra questão sobre choques culturais seria quando
"um sujeito que estava colocando flores no túmulo de um parente quando vê
um chinês colocando um prato de arroz na lápide ao lado. Ele se vira para o
chinês e pergunta:
- Desculpe-me, mas o senhor acha mesmo que o seu
defunto virá comer o arroz?
E o chinês responde:
- Sim, geralmente na mesma hora que o seu vem
cheirar as flores!
A mesma lógica ou análise de Laraia se aplica nesta
indagação. Não existem culturas superiores, mas diversas manifestações de
cultura, de acordo com vários aspectos, biológicos, geográficos, dentre outras.
Neste caso, em especial, uma mesma manifestação cultural, só que de forma
diferente. O culto aos mortos. O ocidental coloca flores no túmulo enquanto o
oriental arroz. A diferença é apenas - nesta manifestação cultural -
geográfica. No aspecto filosófico e sentimental é o mesmo: trata-se de
homenagem aos ancestrais de forma e atribuições diferenciadas.
a nossa herança cultural,
desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir
depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos
padrões aceitos pela maioria da comunidade. (LARAIA, 2001).
Engraçado
notar um aspecto psicanalítico na situação. Um choque cultural que pode
acarretar em vários desdobramentos psicológicos. Então, vamos nos ater à
situação ocidental:
Homens adoram presentear
mulheres com flores, mas, se alguma rejeitá-las, talvez não será pelo fato do
enamorado comprar o presente. Na maioria das vezes, as flores, representam algo
traumático. Mas, não se preocupem, a grande maioria adora receber rosas. E
essas flores - como o amor "plastificado" no ato de dar ao outro uma
lembrança - não morrem!
Referências:
ANDRADE, Oswald. Manifesto antropófago, in Do Pau-Brasil à
antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1970
LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. 14º
edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. Ed.
Brasiliense. São Paulo. 2003.