“De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra
encontrei um ser humano que quase me compreendeu”, Sigmund Freud.
É um princípio básico para qualquer leitor (de verdade) que ele leve em consideração o contexto no qual foram escritos os textos. Sem isso,
muito menos leitura, alguns arrumam pretextos para defender dogmaticamente seus
“valores”. Com a psicanálise não é diferente.
O que Sigmund Freud quis dizer com a frase (esbravejada aos
quatro cantos por meia dúzia que se acha no direito de regular a teoria
psicanalítica) “a popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério.
As pessoas apenas repetem as frases que aprendem no teatro ou na imprensa.
Pensam compreender algo da psicanálise porque brincam com seu jargão” não é e
nunca foi destinada às pessoas que lidam com a disciplina diariamente.
Os que utilizam a frase solta do contexto da entrevista
realizada em 1926 desconhecem a profundidade das ideias principais que o
próprio Freud difundiu por meio da imprensa. No mesmo texto, ele disse que
naquele momento estava escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise
praticada por leigos. “Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não
médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os
doutores combatem cada nova verdade no começo”.
Mas a psicanálise não deve ser difundida? Ora, se não, como
divulgar a clínica e os estudos sérios não devem ser publicados? Meus caros “colegas”,
a preguiça é irmã da inveja, portanto, tenhamos cautela.
Pois bem, a tão propagada frase diz respeito diretamente à
questão abordada pelo jornalista americano George Sylvester Viereck. Ele diz
(em 1926, repito) que a literatura americana está impregnada da psicanálise.
Hupert Hughes, Harvrey O’Higgins e outros fazem-se de seus intérpretes. É quase
impossível abrir um novo romance sem encontrar referência à psicanálise. Entre
os dramaturgos, Eugene O’Neill e Sydney Howard têm profunda dívida para com Freud.
The Silver Cord, por exemplo, é simplesmente uma dramatização do complexo de
Édipo.
Eis que o próprio Freud replica (resposta completa):
“Eu sei e aprecio o cumprimento que há nessa constatação.
Mas tenho receio da minha popularidade nos Estados Unidos. O interesse
americano pela psicanálise não se aprofunda. A popularização leva à aceitação
superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem
no teatro ou na imprensa. Pensam compreender algo da psicanálise porque brincam
com seu jargão! Eu prefiro a ocupação intensa com a psicanálise, tal como
ocorre nos centros europeus. A América foi o primeiro país a reconhecer-me
oficialmente. A Clark University concedeu-me um diploma honorário quando eu
ainda era ignorado na Europa. Entretanto, a América fez poucas contribuições
originais à psicanálise. Os americanos são divulgadores inteligentes, raramente
são pensadores criativos. Os médicos nos Estados Unidos, e ocasionalmente também
na Europa, procuram monopolizar para si a psicanálise. Mas seria um perigo para
a psicanálise deixá-la exclusivamente nas mãos dos médicos, pois uma formação
estritamente médica é, com frequência, um empecilho para o psicanalista. É
sempre um empecilho, quando certas concepções científicas tradicionais ficam
arraigadas no cérebro do estudioso”.
Está alto e claro que o “pai da psicanálise” refere-se estritamente
aos americanos. Propagar a psicanálise não é sacrilégio, mas a frase fora do
contexto chega a ser uma heresia. Não é preciso ir muito longe para encontrar
uma afirmativa que corrobora com este breve artigo.
Segundo Oswald Ducrot, linguista atuante na área da
Semântica, falar sobre o sentido de um enunciado, fora das circunstâncias
possíveis de suas ocorrências, ou seja, fora do contexto e da situação,
equivale a abandonar o terreno da experiência e da comprovação, para construir
uma hipótese carente de demonstração.
Para se compreender um texto, é necessário saber em qual
momento ele foi produzido e que situação externa esse texto se refere direta ou
indiretamente. A isso chamamos contexto. Fica a dica aos “doutores da lei”.