terça-feira, 11 de agosto de 2015

Em virtude do vício



“O mal só pode ter uma causa: o bem. Uma causa, por necessidade, tem que ser e ter o ser; e ter o ser é bem; consequentemente, é o bem, mas um bem distintivo do bem do sujeito, no qual imediatamente se encontra tal privação. Mas a causa do mal não pode ser ‘eficiente’ e sim ‘deficiente’, pois o mal, em si, não é ser, nem efeito, mas defeito, falta de ser”, Mário Ferreira dos Santos.

O que o senso comum, ou a grande maioria das pessoas, sabe sobre o vício, por incrível que possa parecer, tem base na filosofia. Achar que um dependente (viciado) tem um defeito de caráter é, no campo do pensamento aristotélico, ligado a moral.

Os vícios (e também as virtudes) estão relacionados aos valores éticos de uma sociedade para este campo. Então, todos os leigos estão “perdoados”. Sendo contrária ao vício, a virtude é considerada uma qualidade moral particular definida por um grupo social, de acordo com os valores vigentes de uma determinada sociedade e é externada individualmente.

O vício seria a desaprovação de uma atitude que significa falha ou defeito frente aos valores vigentes de uma determinada sociedade. Conforme Aristóteles, a virtude é "uma disposição habitual e firme para fazer o bem". E praticar a virtude é antes de tudo: "preferir a justiça e a verdade".

Se o agir virtuoso é fazer a escolha pela justiça e a verdade, podemos entender que o agir vicioso é uma tendência habitual para certo mal, sendo o oposto da virtude.

Por outro lado, muitos caminhos podem chegar ao vício. Inclusive por meio da virtude. Os excessos de virtude tornam-se vícios como também às deficiências da qualidade atribuída à virtude resultam em vícios.

Em se tratando de saúde mental poderíamos incluir a noção filosófica de vício? Seria falta de caráter o dependente dedicar muito tempo obtendo a substância, usando-a ou recuperando-se de seus efeitos? Creio que vai além do bem e do mal, como diria Nietzsche.

O dependente pode até expressar um desejo persistente de reduzir ou regular o uso da substância, mas reluta sempre em decidir deixar de vez a droga em virtude do vício.

É comum ter havido várias tentativas frustradas para diminuir ou interromper o uso. A questão essencial, de fato, está no fracasso em se abster de usar a substância, apesar das evidências do mal que ela vem causando. Querer o bem e continuar praticando o mal é um dilema moral. Cabe ao usuário decidir como quer continuar a viver. Do vício? Mesmo com ele é possível ter uma vida saudável. Dentro dos padrões moralmente estabelecidos.

Creio que a virtude é suportar uma sociedade viciada, capitalista, individualista. Então, sem hipocrisia, viver no meio do vício é uma manobra arriscada que não temos escolha. Portanto, viver lutando contra o vício é uma virtude. E não há vergonha nisso.