“O mal só pode ter uma
causa: o bem. Uma causa, por necessidade, tem que ser e ter o ser; e ter o ser
é bem; consequentemente, é o bem, mas um bem distintivo do bem do sujeito, no
qual imediatamente se encontra tal privação. Mas a causa do mal não pode ser
‘eficiente’ e sim ‘deficiente’, pois o mal, em si, não é ser, nem efeito, mas
defeito, falta de ser”, Mário Ferreira dos Santos.
O que o senso comum, ou a grande maioria das pessoas, sabe sobre
o vício, por incrível que possa parecer, tem base na filosofia. Achar que um
dependente (viciado) tem um defeito de caráter é, no campo do pensamento
aristotélico, ligado a moral.
Os vícios (e também as virtudes) estão relacionados aos
valores éticos de uma sociedade para este campo. Então, todos os leigos estão “perdoados”.
Sendo contrária ao vício, a virtude é considerada uma qualidade moral
particular definida por um grupo social, de acordo com os valores vigentes de
uma determinada sociedade e é externada individualmente.
O vício seria a desaprovação de uma atitude que significa
falha ou defeito frente aos valores vigentes de uma determinada sociedade. Conforme
Aristóteles, a virtude é "uma disposição habitual e firme para fazer o
bem". E praticar a virtude é antes de tudo: "preferir a justiça e a
verdade".
Se o agir virtuoso é fazer a escolha pela justiça e a
verdade, podemos entender que o agir vicioso é uma tendência habitual para
certo mal, sendo o oposto da virtude.
Por outro lado, muitos caminhos podem chegar ao vício.
Inclusive por meio da virtude. Os excessos de virtude tornam-se vícios como
também às deficiências da qualidade atribuída à virtude resultam em vícios.
Em se tratando de saúde mental poderíamos incluir a noção
filosófica de vício? Seria falta de caráter o dependente dedicar muito tempo
obtendo a substância, usando-a ou recuperando-se de seus efeitos? Creio que vai
além do bem e do mal, como diria Nietzsche.
O dependente pode até expressar um desejo persistente de
reduzir ou regular o uso da substância, mas reluta sempre em decidir deixar de
vez a droga em virtude do vício.
É comum ter havido várias tentativas frustradas para
diminuir ou interromper o uso. A questão essencial, de fato, está no fracasso em
se abster de usar a substância, apesar das evidências do mal que ela vem
causando. Querer o bem e continuar praticando o mal é um dilema moral. Cabe ao
usuário decidir como quer continuar a viver. Do vício? Mesmo com ele é possível
ter uma vida saudável. Dentro dos padrões moralmente estabelecidos.
Creio que a virtude é suportar uma sociedade viciada,
capitalista, individualista. Então, sem hipocrisia, viver no meio do vício é
uma manobra arriscada que não temos escolha. Portanto, viver lutando contra o
vício é uma virtude. E não há vergonha nisso.