"Pensar é difícil, é por isso que a maioria das pessoas prefere
julgar", C. G. Jung.
A agressividade no debate público estampa o quadro adoecido
de uma parcela individualista da sociedade brasileira extremamente violenta e
excludente. Eis aqui meu aconselhamento terapêutico. Tenho inúmeras dúvidas
quanto à abordagem mais adequada neste caso de histeria coletiva, mas a única
certeza que tenho é que começo olhando para trás, pois sei, sem sombra de
dúvida, que não quero voltar para lá.
O enaltecimento a representantes legisladores falastrões, extremistas
religiosos e o pouquíssimo, ou nenhum, conhecimento da história de luta pela
democracia no país coloca em xeque essa sociedade hipócrita que tenta tudo (até
o ridículo) conter os avanços dos direitos da grande parcela, até então,
esquecida pelas lentes de quem não queria ver a exclusão debaixo do próprio
nariz.
Alguns preferem fantasias a enfrentar a dura e cruel
realidade. É mais conveniente chorar pelo sofrimento falso de um personagem da
teledramaturgia do que por um abandonado pedinte no centro da cidade.
É fácil lutar contra a corrupção sonegando imposto. Rezar
para que Deus castigue, com requinte de crueldade, todos que são a favor do
governo. Santa hipocrisia.
O Brasil precisa de reformas, sem dúvida. Continuar com
acesso a educação e saúde para todos. Combater as discriminações, incentivar as
ações culturais, de meio ambiente. Precisa sim melhorar. E para isso acontecer
temos que cobrar, mas reivindicar soluções coletivas, não individualistas como
quer a “torcida da seleção brasileira”.
Como no manifesto dos artistas: “o Brasil precisa
urgentemente de uma reforma política. Mas precisa mudar avançando e não recuando”.
É inegável que, com o desenvolvimento
histórico do ideal democrático e os avanços sociais, a noção de cidadania, nos
últimos anos, ganhou caráter inclusivo, incorporando assalariados (proletários),
mulheres, negros, LGBT e também dependentes químicos e outras minorias no
debate político nacional.
Seria uma falta de respeito com a história dos movimentos
sociais e com meus companheiros de luta (e sofrimento) se hoje estivesse de
acordo com a desajustada falta de noção democrática de uma parcela da população
despolitizada deste país.
Esta parcela quer ser confundida (indo às ruas para passeio
dominical) com quem fazia o coro ter sentido nas manifestações das “Diretas Já!”
e Fora Collor”. Quer ser confundida com o “operário de Marx” mesmo amaldiçoando
o “comunismo” (sem ao menos saber o que quer dizer comunismo).
Esta população desorientada política e mentalmente, como na
produção e acúmulo de capital para o burguês (mais-valia), goza sem limites.
Produz, inconscientemente, um “mais-gozar”.
A crítica raivosa e exagerada se enquadra no sintoma do sujeito
que foi privado do uso regular dos prazeres em detrimento da satisfação inconsciente
dos excessos. Sem responsabilizar-se culpa os outros pelos males ou pelo que
acha que é ruim para si mesmo. Os outros não importam. São apenas culpados. E o
deslocamento (mecanismo de defesa caracterizado por transferir emoções ou
fantasias do objeto a quem estavam originalmente associadas para o substituto) desta
culpa cai no colo do governo e seus verdadeiros aliados.
Enfim, quando nos dermos conta de que somos responsáveis por
90% dos nossos problemas, atrasos e retrocessos, talvez este impasse “clínico”
ou “cínico”, se preferirem, chegue a algum lugar. De preferência um pouco mais
à frente.