"A interdisciplinaridade consiste em criar um objeto
novo que não pertença a ninguém. O Texto é, creio, eu, um desses objetos",
Freud (1988, p.99).
Desde sua concepção, a psicanálise estabelece com a cultura
uma relação estreita. Os relatos clínicos, por exemplo, como os cinco casos que
Sigmund Freud descreve, em suas obras completas, são consideradas preciosidades
para a transmissão da eficácia prática, entretanto, a psicanálise também se
apropria de uma ferramenta importante para isso: a ficção.
Mesmo sendo, em tese, aquilo que foi feito na análise, casos
de neurose, psicose, perversão e outras classificações pós-freudianas e contemporâneas
têm algo em comum; uma porção de invenção. A realidade e complexidade de um
caso clínico jamais caberia num relato textual sem que para isso conexões
literárias não fossem utilizadas como ferramentas para a transmissão escrita.
Diferente de um caso médico, que remete a um sujeito anônimo
que é representativo de uma doença, o psicanalítico relata uma experiência
singular, mesmo, anonimamente resguardada num pseudônimo e no discurso
narrativo. O sentido didático do caso clínico é o que caracteriza-o como
fantasia. Sua arte cênica transmite conhecimento por meio da imaginação do
leitor.
O caso é uma crônica e, também, uma questão complexa. Como
diz Luiz Carlos Nogueira, no artigo "A pesquisa em psicanálise", é
necessário percorrer os caminhos da mitologia, filosofia clássica e moderna,
literatura, assim como pelas contribuições das ciências exatas e, neste caso,
humanas, como a Antropologia, a Linguística e História, além, é claro, pela
própria Psicanálise para construir algo precioso para o estudo.
Por isso, a psicanálise é inaugurada da novidade. Dela mesma
e por chaves teóricas de outras disciplinas. Não temos nenhuma referência
anterior em relação à ela. É uma disciplina indisciplinada. Quando se apropria
de um conceito o subverte. E isso é arte!
Outra inovação está na autorização prática e quem faz isso é
o psicanalista que, ao se dispor à clinicar, passa por sua própria análise
pessoal, o que causa espanto e embaraço para outras técnicas, pois a formação
tradicional, científica, é sempre feita através da consciência. O psicanalista
inverte essa concepção. Se compromete com a linguagem (estruturada no
inconsciente).
Freud, que exibia em suas estantes obras de Shakespeare,
Flaubert, Goethe, Dostoievski e Balzac, já dizia que brincando pode-se dizer
tudo, inclusive a verdade. Então, no velho ditado que diz quem conta um conto
aumenta um ponto, na tentativa de descrever o incontável, encontra-se um caso
com o peso crônico do real que o conduz. E, nesse sentido, poderíamos dizer que
este ou qualquer outro texto não diz nada, quem diz é o leitor.