“As drogas
são o centro de um poder importantíssimo em nossa cultura. Por isso tantos
tentem dar a última palavra sobre elas (...). O objetivo é libertar o
pensamento da sua própria ignorância e da prepotência geral dos julgamentos
mortais sobre sujeitos envolvidos com drogas”, Márcia Tiburi.
Em 1987, a Organização das
Nações Unidas (ONU) determinou 26 de junho como o “Dia Internacional de Combate
às Drogas”. Motivados pela data, em Cachoeiro de Itapemirim, uma série de
atividades serão realizadas nesta quinta-feira (26). A programação, que conta
com o apoio do Conselho Municipal de Prevenção e Políticas sobre Drogas
(Comsod), acontece das 8h ao meio-dia, na Praça Jerônimo Monteiro e, também, na
Sala Levino Fanzeres, Centro. O público poderá assistir a palestras e
documentários sobre o tema, além de apresentações culturais e esportivas.
Ainda, alusivo ao dia, em
Mimoso do Sul, os conselheiros do Conselho Municipal antidrogas (Comad) e
representantes da prefeitura municipal farão visita à Casa Reviver (comunidade
terapêutica para dependentes químicos), às 15h.
As iniciativas do poder
público são importantes, principalmente para lembrar que todo o dia é dia de
luta. Não sei se seria esta a palavra correta. “Combate” (sic) tem uma conotação
finita. O que não seria o caso da história do homem com as drogas. Parece um
esforço desigual que não termina apenas com uma batalha ou demonstração de
resultados.
Não podemos negar alguns esforços significativos,
principalmente na humanização do usuário. Foi por meio da política de Atenção
Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas que deu-se ao dependente químico
o status de cidadão. O primeiro passo para uma abordagem humana e sem
preconceitos está na garantia dos seus direitos básicos e fundamentais para a
vida, como saúde, educação e assistência social. Antes, o dependente, visto
como um criminoso “sem vergonha”, sempre esteve privado pelas medidas
coercitivas e moralistas de tratamento.
Ao entrar neste ambiente para fundamentar teoricamente a
prática psicanalítica nas instituições governamentais ou não e o cuidado com os
sujeitos usuários de substâncias, observamos que a psicoterapia, pela sua
ética, que é a do sujeito e do seu desejo, é incompatível com a política
impositiva apoiada em um sistema de regras e punições.
A psicanálise torna-se viável para o tratamento de
toxicômanos se voltarmos nossos estudos ao que Lacan nomeou como o “Discurso do
Mestre”, um dos nomes do discurso do inconsciente, ou seja, dos sujeitos
afetados por uma divisão. Enquanto os outros discursos estão voltados para o
fenômeno do uso da droga e seu controle, a psicanálise é um dispositivo avesso
a este discurso e tem como direção de tratamento fazer falar este sujeito em
sua singularidade radical, ou seja, dar lugar ao seu sintoma. Na experiência
analítica é possível que se pergunte menos pela toxicomania do que pela droga
como sintoma e sua relação com o sujeito do desejo, o dependente.
Segundo o trecho do artigo: “Reflexões a respeito da
psicanálise no campo das dependências químicas”, de César de Goes, cada sujeito
possui uma relação peculiar com as drogas, e é ele que faz a sua droga e pode
voltar a sempre procurá-la como recurso, e isso tem a ver com a sua
particularidade, portanto, uma dependência não se deve exclusivamente ao poder
viciante de uma droga. Dessa forma para a psicanálise o toxicômano é apenas um
signo que identifica o paciente que faz uso compulsivo de uma determinada
substância tóxica. O que existe para a psicanálise é o sujeito, e é este que é colocado
em evidência e não a substância psicoativa.
Esse é um sintoma do homem moderno, que por estar imerso
no discurso capitalista, buscaria sua forma particular de obter a satisfação. O
individualismo, estresse e outras complicações do cotidiano fazem com que o
indivíduo busque adequação no modismo ou um escapismo que o leva a fugir da
realidade em que vive e as drogas são ótimas nesse sentido.
Assim, dentro desse discurso é oferecida uma “prótese
imaginária”, mantendo-os identificados a um significante – “eu sou alcoólatra,
dependente de...”, frequentemente observados em suas falas. Os sujeitos ficam
identificados no lugar de objeto e não ao lugar de objeto-causa, permanecendo
atados ao seu “parceiro-sintoma”.
A particularidade de cada sujeito é descartada e os
afetados tornam-se apenas portadores de uma “doença incurável”, onde os tipos
de drogas utilizadas são hipervalorizadas, classificando-os pelo uso, abuso ou
dependência. Nesse campo, de tratamento convencional, a cura passa
primeiramente pela exigência da abstinência e, em seguida, pela introdução de
medicamentos e orientações dentro do enfoque comportamental e cognitivo.
Os toxicômanos, por sua vez, não se apresentam à clínica,
divididos e desejosos de saber sobre o seu “mal”, sedentos por uma
interpretação. Desejam apenas amenizar a angústia e, talvez, aprender a fazer
algo com seu corpo devastado por essa forma de prazer além de manejar a
castração.
Assim, no campo da toxicomania, caracterizada pela
atuação dos sujeitos, exigiria, também, um ato por parte dos psicanalistas que,
ao assumirem a posição de analista, ofereceriam um lugar para o particular (o
Ser) de cada sujeito.
O que é comum para todos os toxicômanos é que no lugar do
objeto de desejo (que é simbólico e faz parte de uma eterna busca...) eles o
substituem pelo objeto de necessidade. Estes são imperativos. O objeto de
necessidade é aquele no qual o dependente é escravo.
A impulsividade de ter alguma coisa produz um vazio e
este a adesão aos baratos. Tudo fica chato. Então a pergunta é: “o que é que me
falta que eu preciso estar grudado o tempo todo nesse objeto que me complete?”
O toxicômano, com a ajuda da psicanálise, teria que
chegar a entender que o que lhe falta não é a droga, mas algo que carece a todo
o ser humano. Desde o nascimento somos faltantes de alguma coisa. E essa
necessidade de busca, mesmo inconsciente, é que nos faz pensarmos,
conversarmos, criarmos e aprendermos a lidar com a dor de viver.
Por isso a psicoterapia é mais indicada para o tratamento
que qualquer medicação, pois atua nos valores pessoais, na filosofia de vida de
cada um, resolvem os conflitos e modificam a postura do indivíduo perante a
droga. Tudo isso favorece o entendimento do vício, de modo que o dependente
tenha forças para enfrenta e solucionar a questão. Mesmo quando o tratamento é
biológico (internação para desintoxicação), a ajuda das terapias psicológicas é
importantíssima para que a pessoa compreenda tudo o que está acontecendo com
ela.
Enfim, todas as ações, governamentais, associativas ou
clínicas, são louváveis e uma discussão mais ampla, inclusive sobre essa passividade
social é necessária, além, é claro, combater o bom combate todo o santo dia. Como
diz a filósofa Márcia Tiburi, no livro “Sociedade Fissurada”, “promover a reflexão séria que leve em conta o sistema
social e os dispositivos de poder que capturam indivíduos, contribuindo para
colocá-los a serviço das drogas em processo de comprometimento subjetivo muitas
vezes nefastos (...)”.
Boas iniciativas como esta em Cachoeiro devem continuar,
mas amplificadas, uma vez que, conforme a filósofa, é um “tema espinhoso na medida em que convoca a pensar sobre aquilo com
o que a sociedade não é muito afeita a se haver: as questões que lhe são próprias,
a fissura da qual padece”.
Todos estão no olho do furacão das compulsões, dos
exageros, dos abusos, da falta. Sem exceções!