segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Um mergulho em Rubem*



"Sentiu uma coisa boa dentro de si, uma certeza de que nem tudo se perde na confusão da vida e que uma vaga, mas imperecível ternura é o prêmio dos que muito souberam amar", RB.


Uma responsabilidade falar algo sobre Rubem Braga. Muitos diriam: “impossível escrever uma crônica sobre o ‘Pai’ da crônica”. Concordo, mas não estou sozinho nesta empreitada. Uma centena de motivações e emoções surge a cada linha movida pela leitura, participação nas edições da Bienal (que leva seu nome), nas entrevistas com especialistas e nos depoimentos de escritores renomados sobre, no meu ponto de vista, o mais ilustre cachoeirense. Por isso, não há como escapar e só me resta curvar a cabeça e digitar uma singela homenagem aos 102 anos de seu nascimento. Ele mesmo disse: “tudo que nos separava subitamente falhou”. E tinha toda razão.

Imortalizado em seus textos, nem o tempo e as gerações foram capazes de fazer com que alguém não se lembre, leia, recomende ou cite Rubem Braga como referência de excelência textual. Nunca vi ninguém misturar jornalismo, poesia e prosa de forma tão simples e, ao mesmo tempo, espetacular como ele. Sem dúvida, o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis.

Em 12 de janeiro de 1913, Cachoeiro de Itapemirim seria o ninho, onde nascera o “Sabiá da Crônica”. Aos 22 anos publicou seu primeiro livro "O Conde e o Passarinho", em 1936. Uma proeza, pois Rubem Braga foi o único autor brasileiro consagrado exclusivamente através da crônica. No depoimento, que concedeu ao amigo e escritor Fernando Sabino, disse: “sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento".
Outro colega, da época em que trabalhava na televisão, Edvaldo Pacote, definiu Rubem como um turrão, fechado, ao mesmo tempo poético. Somente os amigos muito chegados conseguiam uma fresta de sua atenção. Adorava as mulheres. Quando não estava apaixonado por uma estava por todas.

O escritor cachoeirense Marco Antonio de Carvalho expôs a alma de Rubem, como ele jamais faria, em seu livro "Rubem Braga – um cigano fazendeiro do ar", que tive prazer em ler o manuscrito intitulado, pelo próprio autor, “Nem Deus, nem Marx -Crônica da vida de Rubem Braga”, antes de sua publicação. Por obra do destino, sob forte influência da editora, o título original foi trocado. Com o livro, Marco, que infelizmente faleceu em junho de 2007, às vésperas do lançamento, ganhou um dos mais importantes prêmios literários do país, o Jabuti.

Com suas “200 Crônicas Escolhidas” comecei a vagar pelo universo de Rubem, mas foi a biografia de Marco que me aproximou mais, mesmo que distante, de sua vida. Há uma passagem na biografia que conta um curioso episódio do início de sua carreira literária:
“Se a estréia literária em 1936 foi feliz, a dificuldade para sobreviver se torna ainda maior, a partir da declaração de estado de guerra por parte de Vargas. É perigoso escrever: o nome de Rubem Braga não pode constar na folha de funcionários de jornal algum. É obrigado a se esconder atrás de pseudônimos como José Bispo, M. de Carvalho, Chico ou, simplesmente, R. Na própria pensão onde vive é conhecido pelo nome de Lauro Guedes, surgem perguntas capciosas: ‘Ah, é jornalista? De que jornal?’ E ele responde que escreve para a insossa Vida Doméstica e que, de política, só se interessa pelo que se passa no Flamengo”.

Paixão futebolística à parte, e com um pequeno conhecimento sobre o cronista, participei, direta e indiretamente, de todas as edições da Bienal Rubem Braga, evento literário já consolidado em Cachoeiro e considerado um dos maiores do Espírito Santo. Para homenagear o ilustre escritor, grandes nomes da cultura nacional, como Affonso Romano de Sant'Anna, Tônia Carrero, Viviane Mosé, Ferreira Gullar, Antônio Nóbrega, Elisa Lucinda, Isabel Lustosa, Domício Proença Filho, Antônio Carlos Secchin, Ivan Junqueira, Roberto Da Matta, Beatriz Resende, Adriano Espínola, Fabrício Carpinejar, Xico Sá, Zuenir Ventura, dentre outros, contribuíram para o sucesso dessa iniciativa cultural que foi posta em prática, pela primeira vez, em 2006.

Até fui contribuir com um bate-papo sobre leitura e literatura na última edição da Bienal Rubem Braga (2012), mas o evento foi inspirado na crônica “A Borboleta Amarela” escrita em 1955. O tema simbólico: “borboleta” reflete a transformação, metamorfose, metanoia (num sentido mais profundo de mudança). O que estamos fazendo para divulgar a cultura em nosso município e assim transformar a vida de inúmeros adolescentes que sequer têm interesse pela leitura, dita popular, que para a maioria deles é erudita?
Quando criança, contrariando as estatísticas, lia de tudo, Rubem, Newton e demais escritores cachoeirenses que sempre estiveram na estante da casa de meus pais... E brincava também!

Havia uma travessura que fazíamos às margens do Rio Itapemirim, no bairro Arariguaba, na intitulada “Volta do Caixão”. O nome tenebroso é por ser localizada numa curva acentuada para os veículos e onde a maioria dos corpos afogados é encontrada, mas criança não liga para essas coisas de adultos. Amarrávamos uma corda numa árvore e balançávamos até despencarmos na água. Mal sabia, na época, que ali seria realizada a última vontade do cronista. A pedido seu, suas cinzas foram jogadas no mesmo local. Na manhã do início da década de 1990. Portanto, posso dizer, sem sombra de dúvida, que mergulhei, literalmente, em Rubem Braga.

*Publicado originalmente em 12 de janeiro de 2014.