sexta-feira, 27 de maio de 2016

Crise: a sofrência é geral


“No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”, Dante Alighieri.

Em 1976 as coisas eram como tinham de ser. As bocas de sino. As discotecas. O Rock! Os automóveis com aparência de carro de verdade. E as músicas? Juventude Transviada, de Luiz Melodia; Meu Caro Amigo, de Chico Buarque; Nuvem Passageira, de Hermes de Aquino; Sobradinho, de Sá & Guarabyra. Ednardo cantava Pavão Mysteriozo e Raul Seixas Nascia Há Dez Mil Anos. Elis Regina encantava com a canção “Como Nossos Pais” e muitas outras pérolas. E hoje? Em 2016, só sofrência.

Não posso usar o clichê “a vida começa aos 40”, porque estaria advogando contra tudo que sou. Os anos anteriores aos que virão fazem parte da minha história. Disso não abro mão. Sem as primeiras quatro décadas de lutas, perdas (meu pai foi uma das mais dolorosas), compulsões, percalços, paixões, angústias e até, pasmem, vitórias, não estaria aqui soprando as velinhas do tempo.

Bem que algumas coisas poderiam ser diferentes. Principalmente as músicas. Comecei o texto pelas mais tocadas no ano em que nasci. Hoje, sinceramente, não compraria o vinil da trilha sonora de ninguém. Na minha pré-adolescência, na década de 1980, música sertaneja era coisa de gente brega. Hoje, em pleno século XXI, quem não coloca um chapéu e monta um cavalo também é. Vai entender...

Fazer 40 anos é a mesma coisa que 39. O ano passado também foi chatíssimo. Mas é inegável ter a sensação que algo está incompleto. Normal. Quem não está? Dizem que isso é a conhecida crise da meia idade. Merda nenhuma. Os sentimentos de vazio nos acompanham durante todo o nosso percurso. Até o crepúsculo do quadragésimo terceiro aniversário.

E agora? Nada. Basta ignorar os avisos “se você tem mais de quarenta, consulte, vacine-se...”. Apenas resta esperar e fazer 41.

Na década de 1990, quando entrei na faculdade e engajei no movimento estudantil, tinha a metade da minha idade, nós tínhamos um lema “não podemos perder a oportunidade de conscientizar a massa”, pois bem...

Sobre os acontecimentos atuais escrevi, nas redes sociais, que brincar com uma democracia recente e complexa como a nossa é perigoso. Por mais que as informações naveguem à velocidade da luz, as pessoas não entendem a situação real em que o Brasil se encontra.

É difícil um prognóstico, mas a famosa frase de Karl Marx, "Primeiro como tragédia, depois como farsa", nos faz refletir certos posicionamentos extremistas como possíveis salvadores da pátria. A história nos relata isso. Depois da crise de 1929, a ascensão dos fascismos. Estaremos preparados para o que virá depois? Jamais. Geralmente, após um golpe, há traumas irreparáveis.

As sequelas, nos tempos atuais, são a ditadura do vírus/virtual e o culto ao narcisismo. Tudo é viral, superficial e compartilhável. Até a violência coletiva. Como no caso da adolescente estuprada por 33 inclassificáveis na escala da evolução humana.  

Mas, ao mesmo tempo em que compartilhavam a atrocidade pós-moderna, as redes sociais foram tomadas por mobilizações para organizar atos em várias cidades brasileiras contra agressões a mulheres e contra a cultura do estupro.

Estamos sim em crise. De subjetividade. A sofrência é geral. Talvez mais 40 anos sejam insuficientes para entender os prós e os contras. Os golpes e as operações. Mas a troca de Freire por Frota... De sobrevoo dá para ver o resultado. Tão rápido quanto uma mensagem no WatsApp.