“As ocasiões fazem as revoluções”, Machado de Assis.
Não se faz revolução sozinho. Tampouco com
discrepâncias ideológicas. Contudo, numa posição peculiar está o analista
diante do caótico mundo líquido (solúvel). Há uma antiga piada sobre
psicanalistas e seu modo fecundo e ao mesmo tempo de rompimento diante de uma
possível associação:
“Para fundar uma nova escola de psicanálise basta um psicanalista. Dois são suficientes para tornar tal empreendimento um acontecimento internacional. Mas se você tiver três juntos é uma questão de tempo até isso se transformar em uma ruptura inconciliável, motivada pelos mais fundamentais antagonismos epistemológicos, éticos e metapsicológicos”.
No texto “Alma Revolucionária”, publicado no Blog da
Boitempo, o psicanalista Christian Dunker, entre outras coisas, revela que “ao
contrário de nossos colegas liberais, que querem diminuir o tamanho do mundo em
pequenos blocos de propriedades rentáveis, os revolucionários estão
interessados em expandir o tamanho da alma comum e sua expressão coletiva.
Vivemos em pleno mal-estar na pós-modernidade. O
combustível para isso é a velocidade das informações “ocas” que em milésimos de
segundos surgem nas redes, grupos e páginas da internet. Este cenário nos faz
refletir sobre o que e para quem damos a cara à tapa nos movimentos estudantis,
sindicais e associativos.
Brincar com uma democracia recente e complexa como a
nossa é perigoso. Por mais que as informações naveguem à velocidade da luz, as
pessoas não entendem a situação real em que o Brasil se encontra. É difícil um
prognóstico, mas a famosa frase de Karl Marx, "Primeiro como tragédia,
depois como farsa", nos faz refletir certos posicionamentos extremistas
como possíveis salvadores da pátria. A história nos relata isso. Depois da
crise de 1929, a ascensão dos fascismos. Estaremos preparados para o que virá
depois? Jamais. Geralmente, após um golpe, há traumas irreparáveis.
O livro "Facticidade e validade", Habermas
propõe um projeto socialista não mais como um esboço de uma forma de vida
concreta, mas sim como um conjunto de condições necessárias para formas de vida
emancipadas, sobre os quais os próprios participantes têm que se entender
preliminarmente. Isso se as polarizações permitirem o diálogo.
Sobre a polarização, Dunker diz no texto,
brilhantemente, que não se trata de céticos versus crentes, nem de muçulmanos
contra cristãos. Para o analista, a alma revolucionária pode assumir várias
formas, ora como crítica e também como ato por meio de instituições.
As relações de
dominação e servidão na atualidade emergem em um sintoma. Este sintoma subverte
a aparência ideológica de igualdade e liberdade. Repensar o papel das relações
sociais é fundamental. A luta de classes está aí camuflada nessas relações que
são como água e óleo, por mais que se tente misturar... Democraticamente.
Quando se discute a reformulação da esquerda devíamos ter em conta dois fenômenos: nosso cansaço com a representação e nosso complexo de inautenticidade. O complexo de inautenticidade ataca o coração da alma revolucionária. Ele pode ser diagnosticado por meio do que Slavoj Zizek chamou de “fantasia ideológica”.
Finalmente, o
psicanalista revela que o truque fundamental da fantasia é nos fazer acreditar
que nós a conhecemos, que nós a dominamos, que nós podemos usá-la em nosso
favor, quando, em geral, é ela que está nos usando.